Ainda vou agradecer a José Sócrates
A Associação Nacional de Farmácias (ANF) vai apostar numa rede de farmácias na Polónia, investimento que lhe vai dar a experiência necessária para fazer o mesmo em Portugal. Em plena guerra com o Governo, João Cordeiro anuncia novos negócios: quer aproveitar a inevitável liberalização da propriedade das farmácias para criar uma empresa que seja dona da maior cadeia de farmácias nacional.
Expresso – Porque é que a ANF desistiu de vender medicamentos não sujeitos a receita médica (MNSRM) fora das farmácias ?
João Cordeiro (JC) – De facto, fomos desafiados para algumas parcerias com outros sectores. Mas verificámos que a legislação não é uma liberalização da venda dos MNSRM. Visou apenas criar um canal de venda nas lojas dos hipermercados. Neste sentido, considerámos que era um negócio económicamente inviável.
Expresso – No entanto, a ANF tem um acordo com a Jerónimo Martins para a venda desse tipo de fármacos na cadeia de supermercados Biedronka, na Polónia.
JC – Continuamos a estudar o dossiê. É uma decisão importante e, por isso, tem que ser escudada em estudos rigorosos. A Jerónimo Martins tem um número importante de lojas na área alimentar em zonas populosas da Polónia, o que torna o negócio bastante atractivo. Algumas coisas já estão definidas: será uma empresas polaca e o capital será repartido em 50% para cada accionista.
Expresso – A ideia é ter uma rede de farmácias na Polónia?
JC – Em termos de constituição de uma cadeia de farmácias, efectivamente, a aposta é a Polónia. Depois logo se verá.
Expresso – Será o primeiro passo para a internacionalização da ANF ?
JC – A Polónia vai ser um exercício experimental. Se as coisas correrem bem lá, em Portugal vão correr muito melhor.
Expresso – Está a falar numa rede de farmácias da ANF também em Portugal ?
JC – Nós recebemos sinais do ministro da Saúde no sentido de poder haver uma liberalização da propriedade da farmácia. Actualmente, temos uma cobertura farmacêutica muito boa e temos o mais baixo custo de distribuição europeu. Possivelmente, para muitos somos um mau exemplo que tem de ser destruído. Se o Governo alterar o enquadramento legislativo. Garanto que seremos a primeira e a maior cadeia de farmácias em Portugal. Disso podem ter a certeza. Nessa área, a aquisição da Alliance Unichem também se afigura fundamental. Trata-se de uma empresa com uma estratégia europeia e que tem experiência na gestão de cadeias de farmácias.
Expresso – A compra da Alliance Unichem foi, portanto, a forma que a ANF encontrou para reagir à nova legislação na área do medicamento ?
JC – Até um determinado momento, estávamos acorrentados ao enquadramento legislativo que existia em Portugal. Todo o nosso raciocínio funcionava segundo essa lógica. O discurso do primeiro ministro, na tomada de posse, libertou-nos dessas correntes para uma nova realidade. Estávamos muito formatados ao modelo da legislação portuguesa e julgo que temos aproveitado de forma muito positiva esta chicotada psicológica que o primeiro ministro nos deu. Estou convencido de que no final da legislatura vamos ser obrigados a agradecer ao engenheiro José Sócrates o discurso da sua tomada de posse. Foi o clique que nos fez repensar as nossas estratégias, estávamos demasiadamente limitados e foi um discurso libertador.
Expresso – A capacidade de antecipação é uma das características que, aliás, lhe reconhecem.
JC – Era completamente impensável para mim e para os outroa membros da direcção da ANF adquirir a Unichem, que estava à venda. Chegámos a acordo em 15 dias. Bastaram duas conversas.
Expresso – Mas 49 milhões de euros (que pagou pelo controlo da empresa) é muito dinheiro para uma decisão tão rápida.
JC – Nós não tínhamos o dinheiro e tivemos que assumir responsabilidades perante a banca para entrar no negócio. E aí a culpa é do Estado. Se o Ministério da Saúde cumprisse as suas obrigações a ANF não seria o que é hoje. Pode dizer-se que 49 milhões é muito dinheiro. Mas nós já tivemos que nos financiar em 250 milhões de contos por causa da dívida do Estado às farmácias. O Ministério da Saúde criou o mau hábito, que foi pôr-nos nos braços da banca. E como nós sempre cumprimos com a banca, ao contrário do Estado, a banca prefere-nos a nós.
Expresso – Há rumores de que está a pensar reforçar a sua posição (de 30%) na José de Mello Saúde. São verdadeiros ?
JC – Não. Nunca discutimos isso. Não é uma área fundamental para a ANF. A nossa área é a do medicamento. E nesse sentido temos alguns projectos com o grupo Mello.
Expresso – Quais ?
JC – Desafios na área da farmácia hospitalar. Temos projectos que estamos a desenvolver, nomeadamente a distribuição de medicamentos em unidose.
Expresso – Continua, então, interessado em avançar para o negócio das farmácias hospitalares ?
JC – O que sentimos é que a área da farmácia hospitalar é um descalabro. O que estou a dizer não é novidade. A própria Inspecção Geral de Saúde tem um relatório que o demonstra. As despesas com os medicamentos nos hospitais crescem 20% ao ano. E, como temos conhecimentos, acho que podemos dar uma pequena ajuda.
Expresso – Como ?
JC – Eu vejo isso mais como um “outsourcing”. Não vejo nenhum drama em criar, em termos experimentais, um “out-sourcing” nas farmácias hospitalares, tal como já existe na imagiologia, na alimentação ou na manutenção dos hospitais. Cheguei a falar disso com o ex-ministro da saúde Luís Filipe Pereira. Mas neste momento não há clima. Temos de aguardar por dias melhores.
Expresso – Já veio a público dizer que a liberalização dos MNSRM fará com que a facturação das farmácias aumente 30%. Como ?
JC – Legitimamente, temos direito a fazer a nossa análise e a traçar os nossos objectivos. Contamos perder cerca de 10% do mercado destes fármacos nos próximos cinco anos. Mas, tendo em conta o crescimento do mercado e o aumento dos preços, vai ser possível, no final destes cinco anos, termos receitas cerca de 30% acima das actuais.
Expresso – Então, os preços vão aumentar ?
JC – Analisámos a legislação e é óbvio que vamos tomar medidas. Por exemplo, estamos a flexibilizar o “software” das farmácias, de forma a permitir alterar o preço dos medicamentos de venda livre em função de um determinado horário da farmácia. Ou seja, a partir das 22 horas, por exemplo, e para além da taxa nocturna que já é cobrada, os MNSRM terão preços livres nas farmácias e serão mais caros. Se for a um hotel e estiver a decorrer um campeonato de fórmula 1 ou um Europeu de Futebol, as tarifas são mais altas. Com os medicamentos vai acontecer o mesmo.
Expresso – Esse aumento é um contra-ataque à medida do Governo ?
JC – São as regras que nos foram impostas. E estamos a organizar-nos para rentabilizar a nova situação. Além disso as margens de lucro que nos eram impostas pela Secretaria de Estado do Comércio eram mais baixas da Europa. Por isso, acho natural que os preços aumentem.
Expresso – Esta semana pediu ao Ministro da Saúde, Correia de Campos, para clarificar a baixa de 6% no preço dos medicamentos. O que é que está mal explicado ?
JC – O Ministério tem vindo a anunciar sistematicamente a baixa de 6% no preço dos medicamentos mas não deu igual ênfase à redução das comparticipações, que entrou em vigor ao mesmo tempo. O que se passa é que as pessoas chegam às farmácias e verificam que, antes não pagavam nada e agora têm de pagar, ou então, que têm de desembolsar mais pelo mesmo medicamento. Acho que foi uma má medida política. O que o Ministério vai poupar (e nunca vimos o número calculado) é insignificante tendo em conta o impacto negativo que se transmite à população. Aliás, já é sabido que o Ministério da Saúde vai ter, pela primeira vez, um orçamento realista, por isso não vejo a necessidade de uma medida deste tipo.
Expresso – Então, como é que se pouparia neste sector ?
JC – Não consigo entender que o ministro Correia de Xcampos, que é um especialista na área da saúde, ainda não tenha avançado, em paralelo, com a prescrição por DCI (designação comum internacional) e com o formulário de medicamentos para o Serviço Nacional de Saúde, que constam do seu programa de Governo. Afinal, quais são as entidades com as quais foram celebrados compromissos que estão a inibir o ministro de cumprir o seu programa ?
Expresso – Porque é que a ANF desistiu de vender medicamentos não sujeitos a receita médica (MNSRM) fora das farmácias ?
João Cordeiro (JC) – De facto, fomos desafiados para algumas parcerias com outros sectores. Mas verificámos que a legislação não é uma liberalização da venda dos MNSRM. Visou apenas criar um canal de venda nas lojas dos hipermercados. Neste sentido, considerámos que era um negócio económicamente inviável.
Expresso – No entanto, a ANF tem um acordo com a Jerónimo Martins para a venda desse tipo de fármacos na cadeia de supermercados Biedronka, na Polónia.
JC – Continuamos a estudar o dossiê. É uma decisão importante e, por isso, tem que ser escudada em estudos rigorosos. A Jerónimo Martins tem um número importante de lojas na área alimentar em zonas populosas da Polónia, o que torna o negócio bastante atractivo. Algumas coisas já estão definidas: será uma empresas polaca e o capital será repartido em 50% para cada accionista.
Expresso – A ideia é ter uma rede de farmácias na Polónia?
JC – Em termos de constituição de uma cadeia de farmácias, efectivamente, a aposta é a Polónia. Depois logo se verá.
Expresso – Será o primeiro passo para a internacionalização da ANF ?
JC – A Polónia vai ser um exercício experimental. Se as coisas correrem bem lá, em Portugal vão correr muito melhor.
Expresso – Está a falar numa rede de farmácias da ANF também em Portugal ?
JC – Nós recebemos sinais do ministro da Saúde no sentido de poder haver uma liberalização da propriedade da farmácia. Actualmente, temos uma cobertura farmacêutica muito boa e temos o mais baixo custo de distribuição europeu. Possivelmente, para muitos somos um mau exemplo que tem de ser destruído. Se o Governo alterar o enquadramento legislativo. Garanto que seremos a primeira e a maior cadeia de farmácias em Portugal. Disso podem ter a certeza. Nessa área, a aquisição da Alliance Unichem também se afigura fundamental. Trata-se de uma empresa com uma estratégia europeia e que tem experiência na gestão de cadeias de farmácias.
Expresso – A compra da Alliance Unichem foi, portanto, a forma que a ANF encontrou para reagir à nova legislação na área do medicamento ?
JC – Até um determinado momento, estávamos acorrentados ao enquadramento legislativo que existia em Portugal. Todo o nosso raciocínio funcionava segundo essa lógica. O discurso do primeiro ministro, na tomada de posse, libertou-nos dessas correntes para uma nova realidade. Estávamos muito formatados ao modelo da legislação portuguesa e julgo que temos aproveitado de forma muito positiva esta chicotada psicológica que o primeiro ministro nos deu. Estou convencido de que no final da legislatura vamos ser obrigados a agradecer ao engenheiro José Sócrates o discurso da sua tomada de posse. Foi o clique que nos fez repensar as nossas estratégias, estávamos demasiadamente limitados e foi um discurso libertador.
Expresso – A capacidade de antecipação é uma das características que, aliás, lhe reconhecem.
JC – Era completamente impensável para mim e para os outroa membros da direcção da ANF adquirir a Unichem, que estava à venda. Chegámos a acordo em 15 dias. Bastaram duas conversas.
Expresso – Mas 49 milhões de euros (que pagou pelo controlo da empresa) é muito dinheiro para uma decisão tão rápida.
JC – Nós não tínhamos o dinheiro e tivemos que assumir responsabilidades perante a banca para entrar no negócio. E aí a culpa é do Estado. Se o Ministério da Saúde cumprisse as suas obrigações a ANF não seria o que é hoje. Pode dizer-se que 49 milhões é muito dinheiro. Mas nós já tivemos que nos financiar em 250 milhões de contos por causa da dívida do Estado às farmácias. O Ministério da Saúde criou o mau hábito, que foi pôr-nos nos braços da banca. E como nós sempre cumprimos com a banca, ao contrário do Estado, a banca prefere-nos a nós.
Expresso – Há rumores de que está a pensar reforçar a sua posição (de 30%) na José de Mello Saúde. São verdadeiros ?
JC – Não. Nunca discutimos isso. Não é uma área fundamental para a ANF. A nossa área é a do medicamento. E nesse sentido temos alguns projectos com o grupo Mello.
Expresso – Quais ?
JC – Desafios na área da farmácia hospitalar. Temos projectos que estamos a desenvolver, nomeadamente a distribuição de medicamentos em unidose.
Expresso – Continua, então, interessado em avançar para o negócio das farmácias hospitalares ?
JC – O que sentimos é que a área da farmácia hospitalar é um descalabro. O que estou a dizer não é novidade. A própria Inspecção Geral de Saúde tem um relatório que o demonstra. As despesas com os medicamentos nos hospitais crescem 20% ao ano. E, como temos conhecimentos, acho que podemos dar uma pequena ajuda.
Expresso – Como ?
JC – Eu vejo isso mais como um “outsourcing”. Não vejo nenhum drama em criar, em termos experimentais, um “out-sourcing” nas farmácias hospitalares, tal como já existe na imagiologia, na alimentação ou na manutenção dos hospitais. Cheguei a falar disso com o ex-ministro da saúde Luís Filipe Pereira. Mas neste momento não há clima. Temos de aguardar por dias melhores.
Expresso – Já veio a público dizer que a liberalização dos MNSRM fará com que a facturação das farmácias aumente 30%. Como ?
JC – Legitimamente, temos direito a fazer a nossa análise e a traçar os nossos objectivos. Contamos perder cerca de 10% do mercado destes fármacos nos próximos cinco anos. Mas, tendo em conta o crescimento do mercado e o aumento dos preços, vai ser possível, no final destes cinco anos, termos receitas cerca de 30% acima das actuais.
Expresso – Então, os preços vão aumentar ?
JC – Analisámos a legislação e é óbvio que vamos tomar medidas. Por exemplo, estamos a flexibilizar o “software” das farmácias, de forma a permitir alterar o preço dos medicamentos de venda livre em função de um determinado horário da farmácia. Ou seja, a partir das 22 horas, por exemplo, e para além da taxa nocturna que já é cobrada, os MNSRM terão preços livres nas farmácias e serão mais caros. Se for a um hotel e estiver a decorrer um campeonato de fórmula 1 ou um Europeu de Futebol, as tarifas são mais altas. Com os medicamentos vai acontecer o mesmo.
Expresso – Esse aumento é um contra-ataque à medida do Governo ?
JC – São as regras que nos foram impostas. E estamos a organizar-nos para rentabilizar a nova situação. Além disso as margens de lucro que nos eram impostas pela Secretaria de Estado do Comércio eram mais baixas da Europa. Por isso, acho natural que os preços aumentem.
Expresso – Esta semana pediu ao Ministro da Saúde, Correia de Campos, para clarificar a baixa de 6% no preço dos medicamentos. O que é que está mal explicado ?
JC – O Ministério tem vindo a anunciar sistematicamente a baixa de 6% no preço dos medicamentos mas não deu igual ênfase à redução das comparticipações, que entrou em vigor ao mesmo tempo. O que se passa é que as pessoas chegam às farmácias e verificam que, antes não pagavam nada e agora têm de pagar, ou então, que têm de desembolsar mais pelo mesmo medicamento. Acho que foi uma má medida política. O que o Ministério vai poupar (e nunca vimos o número calculado) é insignificante tendo em conta o impacto negativo que se transmite à população. Aliás, já é sabido que o Ministério da Saúde vai ter, pela primeira vez, um orçamento realista, por isso não vejo a necessidade de uma medida deste tipo.
Expresso – Então, como é que se pouparia neste sector ?
JC – Não consigo entender que o ministro Correia de Xcampos, que é um especialista na área da saúde, ainda não tenha avançado, em paralelo, com a prescrição por DCI (designação comum internacional) e com o formulário de medicamentos para o Serviço Nacional de Saúde, que constam do seu programa de Governo. Afinal, quais são as entidades com as quais foram celebrados compromissos que estão a inibir o ministro de cumprir o seu programa ?
semanário expresso n.º 1717 , 24.09.05
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