Fazer mais e melhor na Saúde
Estamos perante a ausência de um modelo que torne compreensível e legível a matriz organizacional de base do sistema de saúde
Aorganização sistémica dos cuidados de saúde, que garanta os princípios constitucionalmente consagrados, e financeiramente sustentáveis, tem sido o mote para o questionamento da organização do sistema de saúde. Para a Organização Mundial de Saúde, este desiderato constitui o maior desafio dos sistemas de saúde dos países europeus. Neste sentido, Portugal não é uma excepção à regra. Mas, passa a ser quando se olha os indicadores dos percursos realizados nesta matéria - ausência de clareza no modelo organizacional de base e descontinuidade na vontade política. Através da página da Direcção-Geral de Saúde, terminou no passado dia 15, a discussão pública, de dois documentos relativos aos Cuidados de Saúde Primários e aos Serviços de Saúde Pública.
Dos seus enunciados, separadamente vistos, posso afirmar-me globalmente de acordo, mas o mesmo não posso dizer quando procuro articular os enunciados entre si, destes com a globalidade do sistema, com os níveis de responsabilização e com a tão anunciada sustentabilidade financeira, sem ferir os princípios constitucionais.
Uma vez mais, estamos perante a ausência de um modelo que torne compreensível e legível a matriz organizacional de base do sistema de saúde, que permita construir um novo paradigma de responsabilização. Será que não continuamos na senda do jogo do faz de conta?
Este é o centro da minha preocupação, porque a manutenção deste jogo, em que o ganhar ou perder recai apenas sobre um jogador que dá pelo nome de Vida de Cada Um de Nós, tem repercussões sociais, económicas e políticas que não são quantificáveis quando se preparam orçamentos e/ou se identificam despesas.
Esperava mais clareza e transparência, melhor definição de estruturas responsabilizantes mais próximas dos contextos onde as respostas às necessidades dos cidadãos mais se fazem sentir. Esperava que a construção do novo paradigma passasse pela verdadeira integração do conjunto de organizações e serviços prestadores de cuidados de saúde, em resposta às necessidades de uma dada população. Esperava que acabasse com lógicas determinadas mais por uma oferta desregulada, que, servindo interesses particulares, ainda que legítimos, atinge grande parte dos serviços públicos. Mas não, na explicitação dos documentos referidos e noutros que se preparam (cuidados continuados, cuidados paliativos...), não se vislumbra como se irão provocar mudanças que façam antever num espaço temporal que aquilo a que chamo a melhor via verde para a desresponsabilização, numa auto-estrada com poucos radares de controlo de excesso de velocidade, deixe de produzir, como indicadores públicos dos "acidentes" do sistema, o défice crónico e crescente da saúde, as listas de espera para cirurgias e para consultas médicas.
As necessidades de saúde dos cidadãos exigem respostas científica e tecnicamente ajustadas, temporalmente sustentáveis financeiramente, e de maior proximidade no seu quotidiano. Impõe-se a determinação do quadro organizador de base que permita identificar de forma objectiva - onde se quer chegar, quando e como.
Muito tempo e energia se ganhariam se esta determinação fosse alicerçada no necessário diálogo conjunto com os agentes que mais determinam a prestação de cuidados - os profissionais. Não o digo por razões corporativas, mas sim porque estes, onde todos, nomeadamente as profissões reguladas, têm, por imperativos ético-deontológicos do exercício da profissão e estatutariamente consignado, a responsabilidade de partilhar com o Estado o zelo pela saúde de todos os cidadãos. Estou certa de que, num processo de concertação e transparência, se poderia clarificar as responsabilidades dos actores envolvidos (políticos, gestores e profissionais) na persecução do bem público, assim como a responsabilidade das diversas entidades prestadoras no tipo de investimento que a cada uma deve ser exigida no quadro do sistema de saúde cujo eixo estruturante é o Serviço Nacional de Saúde.
Entendo que a política que está a ser seguida anuncia um menos bom prelúdio para o que de profundo tem de ser trabalhado e mudado na saúde em Portugal. Mas ainda há tempo e espaço se para tal houver vontade, porque acima de tudo, com os meios de que Portugal dispõe, é possível fazer-se mais e melhor. Bastonária da Ordem dos Enfermeiros .
Aorganização sistémica dos cuidados de saúde, que garanta os princípios constitucionalmente consagrados, e financeiramente sustentáveis, tem sido o mote para o questionamento da organização do sistema de saúde. Para a Organização Mundial de Saúde, este desiderato constitui o maior desafio dos sistemas de saúde dos países europeus. Neste sentido, Portugal não é uma excepção à regra. Mas, passa a ser quando se olha os indicadores dos percursos realizados nesta matéria - ausência de clareza no modelo organizacional de base e descontinuidade na vontade política. Através da página da Direcção-Geral de Saúde, terminou no passado dia 15, a discussão pública, de dois documentos relativos aos Cuidados de Saúde Primários e aos Serviços de Saúde Pública.
Dos seus enunciados, separadamente vistos, posso afirmar-me globalmente de acordo, mas o mesmo não posso dizer quando procuro articular os enunciados entre si, destes com a globalidade do sistema, com os níveis de responsabilização e com a tão anunciada sustentabilidade financeira, sem ferir os princípios constitucionais.
Uma vez mais, estamos perante a ausência de um modelo que torne compreensível e legível a matriz organizacional de base do sistema de saúde, que permita construir um novo paradigma de responsabilização. Será que não continuamos na senda do jogo do faz de conta?
Este é o centro da minha preocupação, porque a manutenção deste jogo, em que o ganhar ou perder recai apenas sobre um jogador que dá pelo nome de Vida de Cada Um de Nós, tem repercussões sociais, económicas e políticas que não são quantificáveis quando se preparam orçamentos e/ou se identificam despesas.
Esperava mais clareza e transparência, melhor definição de estruturas responsabilizantes mais próximas dos contextos onde as respostas às necessidades dos cidadãos mais se fazem sentir. Esperava que a construção do novo paradigma passasse pela verdadeira integração do conjunto de organizações e serviços prestadores de cuidados de saúde, em resposta às necessidades de uma dada população. Esperava que acabasse com lógicas determinadas mais por uma oferta desregulada, que, servindo interesses particulares, ainda que legítimos, atinge grande parte dos serviços públicos. Mas não, na explicitação dos documentos referidos e noutros que se preparam (cuidados continuados, cuidados paliativos...), não se vislumbra como se irão provocar mudanças que façam antever num espaço temporal que aquilo a que chamo a melhor via verde para a desresponsabilização, numa auto-estrada com poucos radares de controlo de excesso de velocidade, deixe de produzir, como indicadores públicos dos "acidentes" do sistema, o défice crónico e crescente da saúde, as listas de espera para cirurgias e para consultas médicas.
As necessidades de saúde dos cidadãos exigem respostas científica e tecnicamente ajustadas, temporalmente sustentáveis financeiramente, e de maior proximidade no seu quotidiano. Impõe-se a determinação do quadro organizador de base que permita identificar de forma objectiva - onde se quer chegar, quando e como.
Muito tempo e energia se ganhariam se esta determinação fosse alicerçada no necessário diálogo conjunto com os agentes que mais determinam a prestação de cuidados - os profissionais. Não o digo por razões corporativas, mas sim porque estes, onde todos, nomeadamente as profissões reguladas, têm, por imperativos ético-deontológicos do exercício da profissão e estatutariamente consignado, a responsabilidade de partilhar com o Estado o zelo pela saúde de todos os cidadãos. Estou certa de que, num processo de concertação e transparência, se poderia clarificar as responsabilidades dos actores envolvidos (políticos, gestores e profissionais) na persecução do bem público, assim como a responsabilidade das diversas entidades prestadoras no tipo de investimento que a cada uma deve ser exigida no quadro do sistema de saúde cujo eixo estruturante é o Serviço Nacional de Saúde.
Entendo que a política que está a ser seguida anuncia um menos bom prelúdio para o que de profundo tem de ser trabalhado e mudado na saúde em Portugal. Mas ainda há tempo e espaço se para tal houver vontade, porque acima de tudo, com os meios de que Portugal dispõe, é possível fazer-se mais e melhor. Bastonária da Ordem dos Enfermeiros .
Maria Augusta de Sausa
JPúblico 30.09.05
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