sexta-feira, outubro 14, 2005

Aprovisionamento Hospitalar

Tendo experiência na área de Aprovisionamento Hospitalar, considero existir por parte dos hospitais públicos, com algumas excepções, falta de estratégia e de capacidade técnica na política de aquisições, fruto também da instabilidade das administrações. Na gestão do aprovisionamento hospitalar, estão muitas vezes profissionais sem habilitações ou sem formação adequada, que permita a utilização das ferramentas legais e de gestão. Por outro lado, a gestão das aquisições é, em muitas situações, gerida na prática por quem consome, e quem consome tem necessidades muitas vezes induzidas pela Indústria. A culpa não é desta, mas de quem não tem coragem para introduzir mecanismos de controlo nos hospitais, nomeadamente a definição de critérios objectivos de avaliação de propostas, a nomeação e responsabilização de comissões de escolha e de normalização de produtos de consumo e, acima de tudo, de controlo na introdução de novos produtos no consumo corrente.
É fácil acusar a Indústria, mas na verdade esta utiliza e explora as nossas fraquezas e ineficiências. Quantos produtos são introduzidos no consumo corrente hospitalar, sem avaliação ecnómica e técnica adequada? Será a culpa do marketing agressivo da Indústria, ou dos CA hospitalares, que não impõem regras internas?
Como administrador hospitalar, realizei inúmeros procedimentos de compra, verificando que uma actuação proactiva do Aprovisionamento, com a definição e imposição de regras bem explícitas para avaliação de propostas, elaboração correcta de cadernos de encargos e avaliação constante de consumos e produção associada, conseguem obter excelentes resultados.Haja coragem para isso, porque implica entrar em conflito com muitos interesses instalados dentro dos hospitais.
Por outro lado, a actuação do IGIF, nomeadamente no que respeita aos medicamentos, é, no mínimo, incompetente, quase criminosa do ponto de vista económico, ao possibilitar a concertação de preços e impõr aos hospitais um preço comum, impedindo a negociação. Um hospital que tenha capacidade negocial, pagando atempadamente, vê-se perante preços impostos via IGIF, inflacionados devido aos hospitals que pagam a 300 ou mais dias e à concertação de mercado.

As aquisições centralizadas podem permitir ganhos de eficiência e económicos, mas não como o IGIF faz actualmente. Se a aquisição de material para um grupo de hospitais for gerida de forma centralizada, é possível obter maior capacidade negocial atendendo ao volume em jogo, logo, sendo negociada a compra, os preços tenderão a descer, já que nenhum concorrente quererá perder um negócio destes.
No entanto, o que o IGIF faz é impor condições não aos vendedores mas sim aos compradores, já que estes têm que comprar nas condições do seu Catálogo, de acordo com os preços e condições que os vendores apresentam (sem qualquer negociação), partindo o IGIF do pressuposto da existência de concorrência, o que não se verifica na maioria dos casos, pelo que os preços não são apelativos. Por outro lado, a capacidade de pagamento dos hospitais é reduzida, o que leva ao inflacionamento do preços e à não redução de preços.
Fará sentindo, em termos de mercado, que o desconto ou beneficio feito a um hospital, tenha que ser extensível a todos os hospitais do país? Se consigo pagar a 30 dias, em vez de tirar daí benefício, sou prejudicado, porque o fornecedor não vai querer dar descontos aos hospitais que pagam 300 dias...é lógico, não é? Então é melhor pagar também tarde...
A compra centralizada deve partir do pressuposto de um consumo pré determinado apresentado ao mercado, criando verdadeira concorrência. Ou seja, se o IGIF centralizasse a compra de um produto, dizendo, quero compra x unidades do produto y, para o ano 2006 , a entregar nos hospitais a,b,c..., o mercado tenderia a responder, já que o bolo seria muito tentador para os fornecedores. Quem ganhar um negócio destes, vende não para 1 mas para vários hospitais. Quem perder, fica com o mercado muito reduzido. O problema destes processos é a inexistência de consumos homogénenos nos hospitais e o elevado número de produtos de consumo hospitalar. No entanto, em material de penso, de sutura, osteossíntese, etc, será possível centralizar compras, eventualmente ao nível de ARS e não a nível nacional, de forma a impedir que através de "dumping" , sejam criados monopólios pela eliminação de concorrentes.
Por outro lado, outra solução pode passar pela existência de centrais de compras, que certifiquem e habilitem fornecedores, deixando campo de manobra aos hospitais para negociar com estes condições específicas. A título de exemplo, na compra de material informático, recorri sempre à central de compras do Estado, convidando vários dos fornecedores nela inscritos a apresentarem propostas, em sede de ajuste directo, as quais foram negociadas individualmente. Os preços e demais condições de venda foram melhoradas substancialmente, e o procedimento foi o mais célere - o ajuste directo independentemente do valor (dentro dos limiares comunitários), possibilitado legalmente pelo DL 197/99.
Tenho a experiência de, antes do Catálogo do IGIF ser obrigatório, conseguir adquirir medicamentos 30% mais baratos do que os preços que os mesmos fornecedores faziam, via IGIF, para os mesmos produtos. Dá que pensar...
Existem catálogos telemáticos no sector privado, que funcionam, nestes pressupostos, pelo que não é necessário inventar. E já é tempo dos hospitais deixarem a aplicação de Gestão de Materiais do IGIF, que está completamente ultrapassada e não responde às necessidades de gestão.


A questão da honestidade ou seriedade passa pela preparação técnica de quem compra / negoceia e pela fiscalização atempada e efectiva. Em todas as áreas de actividade existem pessoas menos sérias. Temos é que implementar medidas de maior controlo, nomeadamente pela correcta fundamentação dos actos.
Quanto à compra ser bem feita, o problema é o DL 197/99 ser aparentemente algo limitativo (negociação sem publicação prévia de anúncio, só até 75000€), mas também porque "dá trabalho" fazer bem os processos. Pode-se abrir uma negociação para valores inferiores a 75000€. E também para mais, se devidamente fundamentados. O problema é que na maioria dos hospitais, não se olha aos 20% ou 30 % do orçamento que de facto é gerível, e que corresponde às compras. Por acaso é costume anular concursos públicos por apresentação de condições consideradas inaceitáveis e por isso abrir uma negociação? Experimentem fazê-lo e verão a diferença...
A legislação permite mais do que aquilo que normalmente se faz. Se a compra é de 40000€, antes fazer uma consulta prévia do que uma negociação, que dá mais trabalho...ficamos é limitados aos preços apresentados.
Quanto às centrais de compras tais como a do Estado, é uma solução eficiente, ao possibilitar o recurso a concorrentes pré-aceites, utilizando-se o ajuste directo nos termos da lei. Pode-se assim negociar e utilizar o procedimento mais célere. E o ajuste directo, nos termos da lei, pressupõe a negociação.
Utilize-se aquilo que o 197/99 permite e tenha-se alguma imaginação. Obviamente que em determinados produtos é impossível (ou quase) fugir ao Concurso Público, mas atenda-se aos relatórios do Trbunal de Contas, e será possível obter argumentos para os limitar aos essenciais. Aposte-se na qualificação do Aprovisionamento Hospitalar e haverá reduções de custos.

Quanto à questão da negociação ser com todos os concorrentes, se o procedimento for de facto a "negociação", com ou sem publicação prévia de anúncio, a sessão de negociação é comum. Na realidade trata-se quase de um leilão. É muito eficaz, quando existe verdadeira concorrência e se consegue criar competição entre concorrentes, em particular nas aquisições de equipamento.
Nos ajustes directos, não há uma formalidade definida, pelo que se pode negociar individualmente com cada enventual fornecedor. Não esquecer que deve ser sempre feito um relatório com a avaliação das prosposta e apresentada uma proposta de adjudicação fundamentada técnica e económicamente.
A questão da transparência passa exactamente por existir um processo organizado, onde os critérios de avaliação sejam claros. As "negociatas" secretas, apenas o são porque não existe um verdadeiro processo de compra, devidamente fundamentado.
A utilização do ajuste directo em valores superiores a 5000€ implica necessariamente uma fundamentação muito cuidada, sob pena de violação da lei.
E o que se passa nos HH SA? Não há, na sua maioria, nada que regule as suas compras, já que não se regem pelo 197/99. Muitos nem os limiares comunitários cumprem. Aí pode-se falar em negociatas, já que a transpartência é pouca ou nenhuma. Presidi uma negociação para aquisiçao de equipamento, em que um dos concorrentes se indignou por estar num "leilão" e que "nas SA nada era assim, bastava conversar com o CA".
Quanto à questão de existir uma boa equipa de farmacêuticos, há de tudo. Penso que passa muito pela responsabilização e pela avaliação. Tenho trabalhado com excelentes profissionais e também com menos bons, passando o desempenho mais pela minha actuação e pela força transmitida pelo CA do que pelas qualidades individuais. Se forem exigidos resultados, se existir acomanhamento permanente, se os custos estiverem constantemente em avaliação e se existir uma Comissão de Farmácia e Terapêutica actuante, é possível manter a qualidade com custos a níveis aceitáveis.

O principal problema dos aprovisionamentos hospitalares é a sua pouca qualificação. Ainda são vistos por muitos como serviços de economato. Nos CA dos HH presta-se muito mais atenção aos Serviços Financeiros e de Recursos Humanos o que leva a que, tradicionalmente, os serviços de Aprovisionamento sejam, por vezes, dotados de pessoal pouco habilitado e mal dirigido. Por isso em muitos casos tornam-se serviços ineficientes, desorganizados e burocráticos. Veja-se o caso dos inventários... Devia-se prestar mais atenção ao Aprovisionamento em especial e à Logistica em geral - transportes, armazenamento, distribuição, gestão de espaços e circuitos, gestão de equipamentos, contratos de manutenção, etc., onde se gastam rios de dinheiro por falta de atenção à sua importância.
Quanto aos procedimentos não serem bem escolhidos, tem a ver com o planeamento (ou a falta dele) e de conhecimento do regime legal. Existe também o receio de fazer repartição de despesa, preferindo-se, muitas vezes sem justificação, abrir o procedimento mais pesado (ou para fazer menos procedimentos).
Aconselho a leitura de um manual chamado "Aquisição de bens e serviços na Administração Publica", do nosso colega Mário Bernardino .
Xico, Administrador Hospitalar