sábado, junho 06, 2009

MD, contra politização das administrações

Conferência Nacional de Gestão Hospitalar
O presidente do conselho de administração do Hospital de Curry Cabral e dirigente da APAH contesta o critério político na colocação de gestores à frente das unidades. Uma crítica que estende a todos os governos.
A profissionalização da gestão hospitalar é destacada positivamente pelo presidente do conselho de administração (CA) do Hospital de Curry Cabral (HCC) na hora de fazer o balanço aos 30 anos do Serviço Nacional de Saúde (SNS). No outro prato da balança, Manuel Delgado coloca a «politização das administrações». Pede, por isso, ao poder político, olhando para o futuro, que evite as nomeações ditadas por «meros interesses de conveniência pessoal». Embora também esteja ciente de que a «influência política» continuará a ser uma realidade incontornável nos hospitais.
«Há, de facto, aspectos que não correram bem», notou o administrador ao intervir, no passado dia 28 de Maio, na Conferência Nacional de Gestão Hospitalar, concretizando: «Um deles, e vou ser muito franco, foi a politização das administrações, que, em determinados períodos da nossa vida democrática, tem sido escandalosa.»
O também dirigente da APAH (Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares), entidade organizadora da iniciativa integrada na Saúde Portugal 2009, fez questão de distribuir o mal pelas várias aldeias. «Há sempre a vontade política, dos diferentes ministros e dos diferentes interesses políticos em jogo, de pôr pessoas da sua confiança pessoal — até para tratar ou resolver problemas de conveniência pessoal — em certos lugares», verificou Manuel Delgado. «Há sempre em todos os governos e neste com certeza também», vincou, metendo no mesmo saco o actual Executivo liderado por José Sócrates.
A «politização das administrações» hospitalares tem sido então uma constante ao longo dos anos. «Mas há períodos, na nossa história recente, em que isto foi por demais evidente. Eu diria, por demais impressionante e chocante. Aliás, com incompetências visíveis nos resultados conhecidos», constatou igualmente Manuel Delgado, sem apontar o dedo acusador a governos ou a ministros em particular.
Reconhecendo que em causa estão matérias que «não são facilmente contornadas», o presidente do CA do HCC deixou, durante a mesa-redonda sobre «O SNS do futuro na perspectiva de profissionais de saúde e cidadãos», a certeza seguinte: «Vamos continuar a conviver com mais ou menos influência política na gestão dos hospitais.»
O gestor deseja é «racionalidade» nas escolhas das administrações. «Evidentemente que os governos respondem pela gestão dos hospitais e faz sentido que a nomeação das pessoas seja feita com o poder político a decidir quem é que vai para lá. Mas pediria ao poder político, e aos diferentes poderes que aí vêm, que o façam com o mínimo de racionalidade e não por meros interesses de conveniência pessoal», rematou.

Exigência no desempenho clínico

Comparando com o passado, Manuel Delgado, na parte que reservou aos aspectos positivos da evolução, sublinhou a presente gestão dos hospitais, «muito mais profissional». Para tal, conforme lembrou, foi preciso deixar para trás «a ideia de que o hospital deve ser gerido através do somatório dos interesses corporativos das diferentes classes profissionais, com modelos basistas de eleição e democracia». Um modelo que, na sua opinião, «não era bom» para as unidades em questão.
«Os hospitais são organizações que têm de ter um sentido profissional de gestão, equidistância em relação aos interesses e, sobretudo, pôr à frente o interesse dos doentes», fundamentou.
O caminho que está a ser trilhado aponta, entretanto, para modelos «muito mais exigentes no desempenho clínico», em termos de controlo, transparência e resultados, enunciou o administrador do HCC.
«A ideia antiga de que a gestão dos hospitais era meia dúzia de senhores que se limitavam a ver se as leis eram cumpridas e se a alimentação chegava aos doentes quentinha, ou a roupa lavadinha, desapareceu», ilustrou Manuel Delgado, antes de referir a preocupação actual: «Hoje em dia, o cerne da gestão hospitalar é mesmo o desempenho clínico. E aqui, claro, há conflitos. Temos de os assumir.»
O administrador tinha em mente as margens de conflito com os médicos, enfermeiros e farmacêuticos. «Temos de trabalhar todos para reduzi-las ao mínimo, mas é evidente que não as podemos anular. Da autonomia absoluta de trabalho, como havia no passado, passamos hoje para um processo de autonomia em clinical governance, onde temos de responder sobre o que fazemos», advertiu.

«Batalha permanente»

A sustentabilidade do SNS é uma «batalha permanente», considerou o secretário de Estado Adjunto e da Saúde ao abrir os trabalhos. Para ganhá-la, de acordo com Francisco Ramos, há dois caminhos possíveis: «Pôr pressão sobre os fornecedores e profissionais do sistema» ou «pôr pressão sobre os utilizadores», o que exemplificou com co-pagamentos e limitações ao acesso.
«Aquilo que fizemos, nestes quatro anos, foi claramente a primeira opção: pôr pressão, e muita, sobre o aparelho prestador, fazendo um apelo e tentando criar instrumentos que conduzam ao aumento da eficiência», assumiu o governante.
«Para garantir a sustentabilidade, temos de ser capazes de fazer mais e melhor com os recursos que temos. O que quer dizer aprofundar a pressão sobre os prestadores de cuidados de saúde, evitando transferir essa pressão para os cidadãos, para os utilizadores do sistema», reforçou Francisco Ramos.
Com as eleições no horizonte, o secretário de Estado também desejou que «haja condições» para desenvolver e concretizar a sua agenda durante mais quatro anos.

«Inovação é o contrário de uma circular»

A inovação pode ser drástica ou incremental (gradual), ter origem interna ou externa e visar a gestão ou a prática clínica. Pedro Pita Barros, dissertando sobre «A inovação ao serviço da modernidade dos hospitais», abordou todas elas. Para o professor da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, as circulares normativas do Ministério da Saúde são, entretanto, o caminho errado para a inovação.
«Hoje em dia, o hospital moderno tem de equilibrar os vários tipos de inovação. Eles colocam desafios distintos. Não pode ser respondido tudo da mesma forma», considerou, rebatendo a ideia de que «vem tudo escrito» num decreto-lei, numa portaria ou circular normativa.
«Uma das coisas que acho mais fabulosas em Portugal são as circulares normativas do Ministério da Saúde», confessou Pedro Pita Barros, revelando ter ficado «aterrorizado» quando, numa sessão sobre o tema inovação, alguém da tutela fez saber que estava a ser preparado o respectivo documento. «A inovação é exactamente o contrário de uma circular normativa», exclamou.
A inovação que vem de fora não é só a que importa, alertou o economista. «Vemos que os hospitais não têm estado parados no processo de inovação interna. Ela existe. Muitas vezes, não sabemos é quem fez o quê e onde, para que todos consigam aproveitar esse conhecimento», verificou.
Os processos de inovação no meio hospitalar tanto podem ser drásticos como incrementais. «A inovação drástica é muito mais apelativa no sentido da visibilidade. Fica muito melhor, em termos do nosso ego, dizer que mudámos radicalmente tudo. Só que essa inovação é rara», avisou Pedro Pita Barros. Daí que centre as atenções nos passos graduais.
«Temos, muitas vezes, pequenas inovações incrementais que, acumuladas, são um sinal de mudança importante. Mas nem sempre damos o valor a essa mudança gradual», observou.
A gestão e a prática clínica são, entretanto, dois alvos possíveis. «Tanto uma como outra são importantes e não são necessariamente antagónicas. O que têm é agentes diferentes e devem ser tratadas de forma diferente», sugeriu o professor da Universidade Nova de Lisboa.

Sérgio Gouveia, Tempo de Medicina, 08.06.09