Medo de Existir
1. - Tenho recebido alguns "mails" chamando a atenção do Xavier para a "dureza" de algumas críticas ao XVII Governo Constitucional.
Na opinião de alguns colegas, sendo o Xavier, ao que parece, simpatizante do PS, como se justifica a sua persistente crítica à política de saúde deste governo.
Confesso que fiquei surpreendido com o amarelo.
Hoje à tarde, durante o jogging, fui pensando na forma de ultrapassar este equívoco.
Serão as críticas do Xavier injustificadas, falhas de rigor, inoportunidade ou desproporcionadas em relação aos factos que analisa e portanto injustas?
Depois de alguma reflexão sobre o assunto, penso que não.
Lendo os mails mais recentes concluí que os meus colegas de trabalho estão preocupados, têm medo da critica aberta aos "senhores do poder".
2. - De que é que temos medo? (*)
“ Uma diplomata francesa que tinha vivido longos anos na China e, mais tarde, em Portugal, dizia que os Portugueses eram os chineses do Ocidente. E explicava: os chineses nunca vão directamente ao assunto, dão voltas e mais voltas antes de lá chegar e sempre velados. Os portugueses fazem o mesmo: aproximam-se indirectamente, percorrem espirais, caminhos ínvios e barrocos até abordar claramente a questão. Tanta precaução indicía uma recusa do enfrentamento. Debaixo da precaução, da cautela, da desconfiança, habita o medo. Temos assim uma sociedade civil não violenta à superfície mas com um medo disseminado protegendo os indivíduos contra uma violência subjacente só parcialmente sublimada. Isto explicaria vários aspectos da sociedade portuguesa: o mito dos “brandos costumes” que reina à superfície escondendo uma violência real subterrânea.
O medo que reinava no antigo regime passou a um outro registo, sem desertar dos corpos. Enquanto na sociedade salazarista o medo circulava de cima para baixo, na vertical, manifestando-se universalmente na relação hierárquica de obediência, hoje, com a instauração da democracia, o medo joga-se no enfrentamento possível da competitividade. O medo do rival, do colega, dos outros candidatos ao seu lugar, à carreira, ao emprego, quer dizer, o medo de todos os outros. Medo extraordináriamente agravado pela subavaliação que o indivíduo faz de si mesmo, julgando-se sempre abaixo do nível exigído, nunca à altura do que se lhe pede.
O medo impede certas forças de se exprimirem, inibe, retira e separa o indivíduo do seu território, retrai o espaço do corpo, estilhaça coesões de grupo – tudo isto tem efeitos mediatos e imediatos nos processos de produção económica, social, artística, de pensamento. Quebra-os, desacelera-os, esfarela-os."
3. - O que nos move aqui no SaudeSA é o afecto aos problemas da saúde e a vontade de agenciar outros afectos para esta causa. As nossas críticas não têm nunca o propósito de molestar ou dizer mal do governo, do primeiro ministro, do ministro da saúde, técnico que muito admiramos, ou de quem quer que seja. Fazemos um enorme esforço por ultrapassar a herança e não ter medo. Pretendemos desenvolver um trabalho competente que ajude a esclarecer alguns temas da saúde. Quanto ao resto, torcemos, sinceramente, pelo êxito deste governo.
(*) - José Gil- "Portugal, Hoje. O medo de existir". Edição Relógio D´Água. Aconselho a quem ainda não o fez a ler este excelente livro. Com inteligência e luta conseguimos ser os melhores do mundo. Como este José Gil.
Na opinião de alguns colegas, sendo o Xavier, ao que parece, simpatizante do PS, como se justifica a sua persistente crítica à política de saúde deste governo.
Confesso que fiquei surpreendido com o amarelo.
Hoje à tarde, durante o jogging, fui pensando na forma de ultrapassar este equívoco.
Serão as críticas do Xavier injustificadas, falhas de rigor, inoportunidade ou desproporcionadas em relação aos factos que analisa e portanto injustas?
Depois de alguma reflexão sobre o assunto, penso que não.
Lendo os mails mais recentes concluí que os meus colegas de trabalho estão preocupados, têm medo da critica aberta aos "senhores do poder".
2. - De que é que temos medo? (*)
“ Uma diplomata francesa que tinha vivido longos anos na China e, mais tarde, em Portugal, dizia que os Portugueses eram os chineses do Ocidente. E explicava: os chineses nunca vão directamente ao assunto, dão voltas e mais voltas antes de lá chegar e sempre velados. Os portugueses fazem o mesmo: aproximam-se indirectamente, percorrem espirais, caminhos ínvios e barrocos até abordar claramente a questão. Tanta precaução indicía uma recusa do enfrentamento. Debaixo da precaução, da cautela, da desconfiança, habita o medo. Temos assim uma sociedade civil não violenta à superfície mas com um medo disseminado protegendo os indivíduos contra uma violência subjacente só parcialmente sublimada. Isto explicaria vários aspectos da sociedade portuguesa: o mito dos “brandos costumes” que reina à superfície escondendo uma violência real subterrânea.
O medo que reinava no antigo regime passou a um outro registo, sem desertar dos corpos. Enquanto na sociedade salazarista o medo circulava de cima para baixo, na vertical, manifestando-se universalmente na relação hierárquica de obediência, hoje, com a instauração da democracia, o medo joga-se no enfrentamento possível da competitividade. O medo do rival, do colega, dos outros candidatos ao seu lugar, à carreira, ao emprego, quer dizer, o medo de todos os outros. Medo extraordináriamente agravado pela subavaliação que o indivíduo faz de si mesmo, julgando-se sempre abaixo do nível exigído, nunca à altura do que se lhe pede.
O medo impede certas forças de se exprimirem, inibe, retira e separa o indivíduo do seu território, retrai o espaço do corpo, estilhaça coesões de grupo – tudo isto tem efeitos mediatos e imediatos nos processos de produção económica, social, artística, de pensamento. Quebra-os, desacelera-os, esfarela-os."
3. - O que nos move aqui no SaudeSA é o afecto aos problemas da saúde e a vontade de agenciar outros afectos para esta causa. As nossas críticas não têm nunca o propósito de molestar ou dizer mal do governo, do primeiro ministro, do ministro da saúde, técnico que muito admiramos, ou de quem quer que seja. Fazemos um enorme esforço por ultrapassar a herança e não ter medo. Pretendemos desenvolver um trabalho competente que ajude a esclarecer alguns temas da saúde. Quanto ao resto, torcemos, sinceramente, pelo êxito deste governo.
(*) - José Gil- "Portugal, Hoje. O medo de existir". Edição Relógio D´Água. Aconselho a quem ainda não o fez a ler este excelente livro. Com inteligência e luta conseguimos ser os melhores do mundo. Como este José Gil.
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