O Caminho da Gestão Integrada
Quase inevitavelmente o sector da saúde recebeu especial atenção no contexto de reequilíbrio orçamental que o novo Governo está a procurar atingir.
No meio de medidas que procuram conter despesa, surgiram outras de carácter mais estruturante. Particularmente interessante é a ideia de promover as denominadas unidades locais de saúde, que tem como uma das suas características a gestão conjunta de hospitais e dos centros de saúde das respectivas áreas de atracção. Como foi referido, este modelo de organização tem sido de algum modo ensaiado na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, que poderá dar indicações sobre os aspectos que melhor funcionaram e os que falharam nessa integração de gestão.
Curiosamente, esta questão da integração foi objecto de análise nas suas propriedades económicas. E por esse motivo não vou cumprir a intenção inicial de falar sobre outros assuntos para além do sector da saúde.
Existem vários efeitos potenciais de interesse da criação de uma gestão conjunta: efeitos sobre o esforço de prevenção, efeitos sobre a articulação entre os centros de saúde e efeitos sobre os custos dos hospitais. Adicionalmente, a direcção desses efeitos depende igualmente da forma como os dois tipos de entidades, hospitais e centros de saúde, são financiados.
Vejamos um pouco melhor cada um destes efeitos. De uma forma muito geral, há duas actividades dos centros de saúde que podem ser afectadas pela existência de uma gestão conjunta. Uma de forma directa, a outra actividade de forma indirecta. A actividade de referenciação de doentes para o hospital, feita a partir do centro de saúde é susceptível de ser influenciada por esta integração. A actividade indirecta é a prevenção de problemas de saúde junto da população. Dentro do hospital, um aspecto que é potencialmente influenciado é a pressão para redução de custos de tratamento.
A explicação económica dos efeitos é relativamente simples. Com uma gestão conjunta de hospitais e centros de saúde das suas áreas de influência ocorre uma alteração fundamental em termos de incentivos económicos. Agora, quem gere o centro de saúde tem a percepção de que mais um doente referenciado para o hospital tem um custo, o custo de o tratar no hospital, que deve ser confrontado com o custo de tratar no centro de saúde, admitindo que o problema clínico poderia ser tratado em qualquer das entidades (o que não será verdade para todas as situações, mas é certamente para um número razoável delas). No contexto actual, o centro de saúde não tem qualquer custo directo de referenciar um doente para o hospital que reflicta o verdadeiro custo desse tratamento no hospital. Em “economês”, significa que o decisor passa a ter em consideração o verdadeiro custo de oportunidade das suas decisões de referenciação de doentes. Indirectamente, tal também leva a uma maior preocupação com evitar que surjam doentes dentro do sistema - as actividades de prevenção de problemas de saúde na população tornam-se mais atractivas.
Dentro do hospital, há também um balanço de interesses que se altera. Sendo gerido de forma independente, e admitindo que o hospital sente alguma pressão para ser eficiente, as decisões do hospital tenderão a privilegiar o manter custos médios, custos unitários por doente tratado, baixos. Em contrapartida, com gestão conjunta, o relevante é tratar o doente onde ele tem menores custos para o mesmo resultado final.
Segundo estes argumentos simples, a passagem a uma gestão integrada destas entidades de prestação de cuidados médicos tem vantagens óbvias. Contudo, há que ter um certo cuidado na aceitação desses argumentos, já que a materialização destes efeitos depende crucialmente da forma de financiamento dos hospitais e centros de saúde.
Se os hospitais forem pagos de acordo com os custos que apresentam, sem mais perguntas, e se os centros de saúde forem financiados de acordo com os serviços que prestam, então não será de esperar qualquer efeito sobre os custos dos hospitais, resta apenas o efeito de uma menor taxa de referenciação dos centros de saúde para os hospitais. Ainda mais curioso é que num contexto em que os hospitais são financiados de acordo com orçamentos globais (levados a sério) e os centros de saúde financiados em função dos actos (número e tipo praticados), então a gestão integrada pode ter efeito de qualquer sinal sobre o nível de actividades de prevenção, na taxa de referenciação para o hospital e nos custos hospitalares. Há assim que perceber em que contexto de financiamento esta gestão conjunta é definida.
Existe, porém, uma outra faceta de relevo. Na verdade, os efeitos da gestão integrada de hospitais e centros de saúde poderiam ser, nalguma pedida, replicados com base num sistema de pagamentos adequado. Actualmente, um centro de saúde quando remete para o hospital não tem um custo significativo com isso, aliás qualquer custo que tenha será inferior ao custo real de tratar no hospital. Mas suponha-se que os centros de saúde terão que pagar os cuidados médicos que pedem para os seus doentes. Esse sistema, se desenhado e calibrado apropriadamente, permitiria que fossem alcançadas as mesmas decisões mesmo sem a integração das unidades prestadoras.
A integração da gestão dos hospitais e dos centros de saúde facilita, contudo, a forma qe esse financiamento deve ter. E em particular torna bastante mais fácil a aplicação de sistemas de pagamento às unidades prestadoras que contenham intrinsecamente o incentivo à poupança de custos por parte de quem gere, nomeadamente sistemas de natureza prospectiva, como o pagamento por capitação.
Assim, com esta gestão integrada não se espere que os custos, nomeadamente os hospitalares, baixem por ganhos de eficiência. Será de esperar que se reduzam, mas por efeito de se conseguir tratar as situações clínicas mais cedo ou diminuir a sua taxa de ocorrência. A poupança virá através de menos situações tratadas, o que sendo adequado por corresponder a uma maior saúde da população, com menor utilização dos serviços de saúde, poderá vir a ser mal interpretado num pais que não tem o hábito de reconhecer que melhor saúde significa menor recurso a cuidados médicos.
Semanário Económico
09-06-2005, Pedro Pita Barros
No meio de medidas que procuram conter despesa, surgiram outras de carácter mais estruturante. Particularmente interessante é a ideia de promover as denominadas unidades locais de saúde, que tem como uma das suas características a gestão conjunta de hospitais e dos centros de saúde das respectivas áreas de atracção. Como foi referido, este modelo de organização tem sido de algum modo ensaiado na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, que poderá dar indicações sobre os aspectos que melhor funcionaram e os que falharam nessa integração de gestão.
Curiosamente, esta questão da integração foi objecto de análise nas suas propriedades económicas. E por esse motivo não vou cumprir a intenção inicial de falar sobre outros assuntos para além do sector da saúde.
Existem vários efeitos potenciais de interesse da criação de uma gestão conjunta: efeitos sobre o esforço de prevenção, efeitos sobre a articulação entre os centros de saúde e efeitos sobre os custos dos hospitais. Adicionalmente, a direcção desses efeitos depende igualmente da forma como os dois tipos de entidades, hospitais e centros de saúde, são financiados.
Vejamos um pouco melhor cada um destes efeitos. De uma forma muito geral, há duas actividades dos centros de saúde que podem ser afectadas pela existência de uma gestão conjunta. Uma de forma directa, a outra actividade de forma indirecta. A actividade de referenciação de doentes para o hospital, feita a partir do centro de saúde é susceptível de ser influenciada por esta integração. A actividade indirecta é a prevenção de problemas de saúde junto da população. Dentro do hospital, um aspecto que é potencialmente influenciado é a pressão para redução de custos de tratamento.
A explicação económica dos efeitos é relativamente simples. Com uma gestão conjunta de hospitais e centros de saúde das suas áreas de influência ocorre uma alteração fundamental em termos de incentivos económicos. Agora, quem gere o centro de saúde tem a percepção de que mais um doente referenciado para o hospital tem um custo, o custo de o tratar no hospital, que deve ser confrontado com o custo de tratar no centro de saúde, admitindo que o problema clínico poderia ser tratado em qualquer das entidades (o que não será verdade para todas as situações, mas é certamente para um número razoável delas). No contexto actual, o centro de saúde não tem qualquer custo directo de referenciar um doente para o hospital que reflicta o verdadeiro custo desse tratamento no hospital. Em “economês”, significa que o decisor passa a ter em consideração o verdadeiro custo de oportunidade das suas decisões de referenciação de doentes. Indirectamente, tal também leva a uma maior preocupação com evitar que surjam doentes dentro do sistema - as actividades de prevenção de problemas de saúde na população tornam-se mais atractivas.
Dentro do hospital, há também um balanço de interesses que se altera. Sendo gerido de forma independente, e admitindo que o hospital sente alguma pressão para ser eficiente, as decisões do hospital tenderão a privilegiar o manter custos médios, custos unitários por doente tratado, baixos. Em contrapartida, com gestão conjunta, o relevante é tratar o doente onde ele tem menores custos para o mesmo resultado final.
Segundo estes argumentos simples, a passagem a uma gestão integrada destas entidades de prestação de cuidados médicos tem vantagens óbvias. Contudo, há que ter um certo cuidado na aceitação desses argumentos, já que a materialização destes efeitos depende crucialmente da forma de financiamento dos hospitais e centros de saúde.
Se os hospitais forem pagos de acordo com os custos que apresentam, sem mais perguntas, e se os centros de saúde forem financiados de acordo com os serviços que prestam, então não será de esperar qualquer efeito sobre os custos dos hospitais, resta apenas o efeito de uma menor taxa de referenciação dos centros de saúde para os hospitais. Ainda mais curioso é que num contexto em que os hospitais são financiados de acordo com orçamentos globais (levados a sério) e os centros de saúde financiados em função dos actos (número e tipo praticados), então a gestão integrada pode ter efeito de qualquer sinal sobre o nível de actividades de prevenção, na taxa de referenciação para o hospital e nos custos hospitalares. Há assim que perceber em que contexto de financiamento esta gestão conjunta é definida.
Existe, porém, uma outra faceta de relevo. Na verdade, os efeitos da gestão integrada de hospitais e centros de saúde poderiam ser, nalguma pedida, replicados com base num sistema de pagamentos adequado. Actualmente, um centro de saúde quando remete para o hospital não tem um custo significativo com isso, aliás qualquer custo que tenha será inferior ao custo real de tratar no hospital. Mas suponha-se que os centros de saúde terão que pagar os cuidados médicos que pedem para os seus doentes. Esse sistema, se desenhado e calibrado apropriadamente, permitiria que fossem alcançadas as mesmas decisões mesmo sem a integração das unidades prestadoras.
A integração da gestão dos hospitais e dos centros de saúde facilita, contudo, a forma qe esse financiamento deve ter. E em particular torna bastante mais fácil a aplicação de sistemas de pagamento às unidades prestadoras que contenham intrinsecamente o incentivo à poupança de custos por parte de quem gere, nomeadamente sistemas de natureza prospectiva, como o pagamento por capitação.
Assim, com esta gestão integrada não se espere que os custos, nomeadamente os hospitalares, baixem por ganhos de eficiência. Será de esperar que se reduzam, mas por efeito de se conseguir tratar as situações clínicas mais cedo ou diminuir a sua taxa de ocorrência. A poupança virá através de menos situações tratadas, o que sendo adequado por corresponder a uma maior saúde da população, com menor utilização dos serviços de saúde, poderá vir a ser mal interpretado num pais que não tem o hábito de reconhecer que melhor saúde significa menor recurso a cuidados médicos.
Semanário Económico
09-06-2005, Pedro Pita Barros
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