terça-feira, maio 24, 2005

Parece-me Estranho

1. – Cansado de tudo fiz um intervalo de uns dias e fui até ao Met ouvir a Tosca.
Excelente produção.
Sempre actual metáfora da vida que vivemos. Perseguições, traições, decepções e vingança. Parece a trama das nossas organizações. Não temos o Castel Sant´Angelo mas há sempre a hipótese de saltar da muralha do Castelo de São Jorge.
2. – Anda uma certa inquietude no ar. Provavelmente resultante de expectativas e de sinais. Os sinais são importantes, criam um determinado clima social.
Na área da Saúde parece-me que os sinais apontam no sentido certo: o da correcção da desenfreada onda de alterações a que infelizmente fomos assistindo nos últimos anos.
O problema das expectativas é muito mais sério.
A expectativa é subjectiva. Existem tantas quanto os sujeitos e abrangem vários níveis: o exclusivamente pessoal, o institucional e o geral.
A cada acto eleitoral, a cada mudança de governo corresponde uma generalizada génese de expectativas. Fundamentalmente individuais, sejamos claros.
Como nos librettos há ambições que se pretendem satisfazer, há vinganças que não se querem adiar e existem novas prima-donas.
3. – É-me estranha a pessoalização que sistematicamente se vai fazendo das questões da saúde. É evidente que é extremamente importante saber mais as características e as qualificações dos protagonistas. Parece-me, no entanto, muito mais importante conhecer a missão atribuída às organizações, os objectivos e as metas que lhes são traçados, a adequação dos recursos que lhes são disponibilizados para o efectivo cumprimento dessas finalidades. Parece-me estranho que exista uma generalizada indiferença relativamente ao papel que irão desempenhar as Administrações Regionaia de Saúde numa nova estratégia de organização de serviços, com uma nova relação entre cuidados primários e diferenciados.
Parece-me estranho que praticamente se ignorem os objectivos que presidiram à transformação dos Hospitais SA em EPE e que pretendem, como escreveu o Secretário de Estado da Saúde em artigo no Semanário Expresso, instituir uma nova cultura que elimine a discriminação de utentes e que insira nos critérios de sucesso a avaliação da qualidade, cujos indicadores passarão a ser monitorizados.
Parece-me estranho que as questões se possam resumir a “foi nomeado X”, “reconduziram Y”.
Parece-me estranho, mas é assim ...
4. – Seria muito grave se, de cedência em cedência, se viesse a criar um tumulto de mudança nas instituições. Os profissionais devem fundamentalmente reclamar a tranquilidade necessária e o apoio indispensável para a prossecução das suas actividades. A mudança eficaz é gradual, lentamente interiorizada e efectivamente absorvida. De uma outra forma, o que acontece é uma aparente mudança radical que deixa tudo na mesma ou pior. O radicalismo que muitas vezes se reclama, em serviços e instituições antigas (algumas centenárias), não é mais do que a alteração do que é mais superficial e irrelevante. É fundamental ser-se paciente, até porque, como dizia Pessoa no Desassossego, a impaciência é sempre uma grosseria.
Jorge Pool da Costa
Editorial da Gestão Hospitalar n.º 5, Maio 2005