quinta-feira, abril 13, 2006

Despesas em Saúde

Vs Nível de riqueza dos países (1.ª parte)

Despesas em saúde Vs Nível de riqueza dos países (1.ª parte)

Este é o último de 2 comentários relativos ao diálogo com o nosso amigo Tonitosa. Porque os países ricos gastam mais em saúde? Espanha devia”naturalmente” gastar mais que Portugal…
Sendo a questão mais o quanto poderia discutir-se a necessidade de considerar os resultados em saúde, até porque há autores a afirmar que os resultados em saúde dependem pouco do sistema de saúde (não mais de 10%). Ainda assim aproveitaremos para considerar alguns indicadores de resultados na saúde.

1 – Evidência de relação ascendente?

Verifica-se e é consistente ao longo do tempo uma relação crescente (declive maior que zero) entre o PIB e as despesas de saúde, sejam quais forem os países incluídos – na OCDE tem sido repetidamente analisada e verificada.
Apresentamos um gráfico
(link) que mostra o elevado grau de associação entre o conjunto de países da OCDE (R= 85%), sendo essa associação maior quando se consideram apenas os países com PIB não superior a 33 mil dólares, medido em paridades de poder de compra (PPC), mais próximos de Portugal (ver 2º gráfico, R= 94%). Em qualquer caso a recta resultante é sempre claramente ascendente o que nos permite avançar com:
a) Uma conclusão: a posição do sistema de saúde relativamente à linha de regressão indica o seu grau de eficiência global, desde que não haja evidência de resultados significativamente melhores. Acima situam-se os menos eficientes, abaixo os mais (Portugal acima da linha, Espanha abaixo. É importante? O valor da diferença em euros seria escandaloso: (9,6% - 7,7%)*PIB Portugal em PPC).
b) Uma questão: que factores estão por trás daquela correlação? É o que nos propomos analisar à “vol d`oiseau”.

2 – Factores que sustentam aquela relação?

2.0. Ponto prévio
O PIB traduz o valor dos produtos e serviços produzidos (internamente), onde se inclui naturalmente a saúde. Um país globalmente desenvolvido também o é na saúde, oferecendo maior qualidade, volume e variedade de serviços de saúde (todos ou quase), incluindo os de alta tecnologia. Na Etiópia (países pobres) não é pensável que suportem os gastos com transplantes, SIDA, etc. – o objectivo primeiro e quase único é não morrer à fome, saúde oferece poucos serviços e de nível básico. Nos países ricos, satisfeitas as necessidades mais básicas, as pessoas valorizam mais a saúde como prioridade e estão dispostas a pagar por “mais”. Nos países mais pobres o valor da produção de saúde no PIB é diminuto porque os serviços mais caros estão ausentes ou quase.
O PIB representa igualmente a soma dos rendimentos distribuídos (S, R, J, L). Quanto maiores forem os rendimentos distribuídos num país maiores serão também os que caberão ao sector da saúde. As pessoas dos países ricos exigem maior volume e diferenciação de serviços. Como a saúde é serviço essencialmente pessoal haverá mais profissionais (por habitante) os quais, sendo mais qualificados que a média, obterão rendimentos comparativamente maiores (também outros rendimentos que pagam os restantes recursos).
Por outro lado a riqueza (PIB) é apenas um dos factores que concorrem para a despesa em saúde: esta varia com as características do sistema, com os diferentes recursos envolvidos e com diferenças na procura. Analisarei estes factores brevemente, centrando nos que conduzem a aumento da despesa relativa em países ricos.

2.1. Características do sistema (tipo e dimensão da oferta)
a) Diferenças na organização e características do sistema explicam:
i) Crescimento do peso da despesa em saúde: sendo SNS e com % pública esmagadora tenderá a haver menor despesa, caso contrário maior;
ii) Variação da despesa do Estado (para PIBs idênticos): conforme a gama de serviços oferecida (ex. c/ ou s/ cuidados não agudos, saúde oral, diversa alta tecnologia), o ambiente e enquadramento do sistema, o papel e eficácia da gestão;
iii) Variações na despesa do sector privado: conforme a gama e volume de serviços oferecidos, a existência/não de grandes compradores e a eficácia da regulação.
b) O desenvolvimento arrasta maior intervenção/custo em saúde:
i) Maior medicalização – mais actos são desempenhados pelo sector de saúde (ex. psicologia e problemas pessoais, alguma MFR,..) e mais situações de saúde são tratadas (antes morte ou deficiência prematura, tratamento por “indireitas”, bruxos, etc.);
ii) Maior institucionalização de cuidados – tendência para mais tratamento institucional ao invés de mero acompanhamento familiar ou por terceiros (não de saúde);
iii) Muito mais serviços – mais consultas e internamentos, maior gasto em diagnóstico e actos diferenciados, cirurgias mais difundidas (cirurgias às cataratas, frequência/1000 hab: Canadá 13,73 Vs Portugal 2,65 (aquele 99% em CA, nós apenas 43,6% em 2003), etc.;
c) Escolhas legítimas dos cidadãos:
– Os quadros do
(link) parecem indicar que à maior riqueza corresponde opção por mais recursos e tratamentos sofisticados em saúde (para melhores resultados);
– Disponibilidade para pagar mais (ex. impostos e/ou seguros complementares de saúde) justifica a expansão e a inovação na área da saúde;
– Opções por políticas (partidos) que se propõem “dar mais” e aliviar os pagamentos das pessoas tende a aumentar a procura e a despesa em saúde.

2.2. Recursos e custos envolvidos
Analisaremos apenas o pessoal, os medicamentos e material clínico e os gastos com infra-estruturas.
a) Pessoal: porquê maior gasto em países ricos?
i. Remunerações de profissionais de saúde
(link) : i) são altamente qualificados (em hospital mais de 60% é licenciado), desempenham papel difícil e exigente pelo que a sua remuneração será sempre maior que a média; ii) relativo isolamento de concorrência externa (barreiras à entrada); iii) têm prestígio e poder de decisão, elevado grau de sindicalização. Nestas condições haverá tendência para defender (e conseguir) o aumento simultâneo de mais pessoas e melhores remunerações – normalmente salários mais altos em países ricos, após corrigir com PPC;
ii. Nº de profissionais: países ricos têm mais profissionais/habitante fundamentados em mais serviços e actos de saúde, maior exigência de disponibilidade e atendimento, requisitos de qualidade técnica/organizacional;
iii. Países ricos tendem a ter menor desperdício (“os pobres é que gasta mal…”) mas nesta área a maior eficiência é difícil de conseguir e manter (artesanato/dificuldade de impor protocolos e normalizar práticas clínicas, dificuldade substituir profissionais e rigidez das carreiras, etc.). Assim o menor desperdício seria ultrapassado pelos 2 efeitos contrários (maior nº/habitante, salários maiores).
b) Produtos farmacêuticos e outro material clínico:
i) Portugal gasta demasiado para o seu nível de rendimento. Vide Relatório do SNS de 2004, pág. 4, que relaciona o gasto em medicamentos com a despesa nacional em saúde: “De salientar que entre os 15 países que integravam a União Europeia antes de Maio 2004, Portugal é o membro da EU com maior taxa de despesas com medicamentos, 23,4% (últimos dados disponíveis da OCDE, 2001)” outros países – Espanha (21,1%), Irlanda (10,3%), Alemanha (14,2%), Suécia (13,3%), Holanda (11,7%);
ii) Note-se que a prática de discriminação de 3º grau tende a favorecer os países mais pobres, para máximo lucro dos vendedores, portanto o que esperaríamos seria menor dispêndio nos países menos ricos (todos os materiais não locais). Porque nem sempre é assim? Por deficiências de mercado/poder regulação em PF:
– Conforme a estrutura do mercado fornecedor (cadeia distribuição/venda e poder de monopólio);
– Pela inelasticidade de produtos, quer derive do pagamento integral (ou quase) pelo Estado, da inexistência de produtos alternativos credíveis, ou do domínio/cativação do decisor (via MKT, por ex.);
– Relativamente a outro material clínico verificam-se também problemas em Portugal: oligopólio com produtos em exclusividade de venda, poder sobre utilizadores directos (MKT sobre médicos e enfermeiros) – p. ex., vide tiras para análise e intervenção da Autoridade da Concorrência.
c) Gastos com infra-estruturas e tecnologia:
Nos países desenvolvidos encontramos grandes “catedrais de saúde” com excelentes condições, inacessíveis a países pobres (instalações, equipamentos e sistemas, toda tecnologia, pessoal qualificado, etc.) – isso implica um elevado custo de investimento e manutenção. Nos países mais pobres verifica-se muito menor investimento em infra-estruturas e sistemas de comunicação (e sua manutenção).

observação: existem ainda outros factores que impulsionam a % de despesas de saúde no PIB, nos países mais afluentes: i) o PIB apresentado tende a estar subavaliado nos países pobres (efeito da economia paralela); ii) particulares vão a países desenvolvidos fazer actos mais diferenciados (inflaciona aquele, tem efeito contrário nos países mais pobres).

2.3. Questões de procura (e expectativas), ver
(link)
a) População – factores que aumentam as despesas em saúde:
– Composição (ex. maior % de idosos nos países ricos, estes usam muito mais serviços diferenciados e não diferenciados); grau de literacia (maior e maior procura de cuidados); hábitos de vida (obesidade e alimentação, por ex.); % de imigrantes e turistas de saúde (muito maior em países ricos);
– Expectativas: países ricos constituídas por pessoas mais afluentes, c/ necessidades básicas satisfeitas, com educação/conhecimento alternativas de tratamento exigem disponibilidade e qualidade (amenidades, diagnóstico e tratamento. Ex. minha afilhada nasceu há 25 anos em enfermaria c/ mais 16 (dezasseis!) mães (novos HH c/ enfermarias individuais e todos os requisitos de conforto); Ex.2: exigência de disponibilidade e serviço dos profissionais mais elevada (qualquer um dos dois aspectos vai exigir maior densidade de profissionais!); Ex.3: tempo espera para operações ou actos diagnóstico: já ninguém admite não ser tratado ou os anos de espera do “antigamente”.
b) Com maior riqueza aumentam exponencialmente os actos dispendiosos: ex. próteses (da anca e joelho, vasculares, cardíacas sofisticadas, etc.); cirurgia cardíaca e transplantes; gastos com SIDA, cancro; novas terapêuticas e doenças raras; Neonatologia, FIV; Hemodinâmica; grandes emergências, UCIs, internamentos e actos dispendiosos (maior uso por idosos e pela população em geral), EUA tem muito mais actos aos mais idosos pelo que têm, também por isso, maior esperança vida aos 65 anos que os menos ricos, ao contrário da esperança à nascença.
c) Contrariando a tendência (hábitos e padrões uso de serviços): em Portugal temos 28,1% de cesarianas, % bem mais elevada que a média da OCDE (donde mais despesa e maior risco).
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Despesa em saúde Vs Nível de riqueza dos países (2.ª parte)
3 – Portugal e Espanha?
Com tantos factores a empurrarem os custo para cima então porque Espanha gasta o mesmo em dólares e menos em % do PIB (ambos considerando os valores em PPC)? Interessa analisar as diferenças positivas de Espanha na saúde, isto é, o que “eles” conseguem e como.

3.1.Resultados
Gasto global menor com melhores resultados em saúde (esperança de vida e mortalidade geral, quadro 1), maior eficiência dos serviços e menor gasto para o Estado e para os cidadãos (quadro 2). Em anexo apresentamos os quadros 1 a 4 que evidenciam os melhores resultados em Espanha (link).

3.2. Pontos fortes do sistema Espanhol
a) CP a funcionar bem, hospitais com maior rentabilidade no internamento (possibilita maior frequência hospitalar sem custos adicionais de estrutura, ou mesma frequência com encerramento de X camas), ambulatório programado (CE, CA e HD, MCD) mais desenvolvido e sem os custos elevados dos “bancos” Portugueses.
Ex. internamento hospitalar: frequência hospitalar em Espanha (109) é maior que em Portugal (78/1000 habitantes, em 2002) obtida através de melhor uso dos recursos (ver quadro seguinte, relativo a 2002, base OCDE 2005).
clicar p/ aumentar

Conclusão: para mesmo nº de doentes saídos (os de Portugal em 2004) Espanha pode dispensar mais de 3 mil camas que nós, com a n/ falta de eficiência, não dispensamos (note-se que, em 2004 e cf. DGS, Portugal teve DSC de 35,6, semelhante ao de 2002). Alternativa será tratar mais doentes nas mesmas camas.
b) Os maiores outputs finais (consultas, internamentos) contribuíram para os melhores resultados em saúde. Relativamente às consultas e seu papel simultaneamente na eficiência, na eficácia e equidade do sistema, ver exemplo seguinte (fonte OCDE 2005, pág. 49): clicar p/aumentar
Conclusão: escassez do consumo em Portugal em 2003, inversão de prioridades em 2000 (menor equidade).
Justifica-se igualmente uma referência para alguns outputs intermédios com impacto na saúde e qualidade de vida em Espanha:
– Ex1.: 56% das pessoas maiores de 65 anos foram, em 2003, vacinados contra influenza;
– Ex2: Maior nº de operações cirúrgicas (permite melhor saúde, menor tempo de espera, maior complementaridade e menor duplicação de actos, ver quadros 3 e 4).
c) Melhor enquadramento e regulação contribui para maior eficiência global e, porventura, para preços relativos mais favoráveis. Daremos três exemplos:
– O sector privado evoluiu rapidamente e na sua maioria para unidades com convenção global com o Estado e com controlo/monitorização de qualidade periódico – donde preços regulados, enquanto em Portugal o sector privado apresenta custos muito elevados (falta de grandes compradores/reguladores). Aliás a obrigatoriedade de acreditação e de desenvolver programas de melhoria de qualidade é geral (públicos, convencionados) e não é recente;
– Tendência para maior moderação de salários, a que a existência de desemprego não é estranha. Fluxo no sentido Espanha/Portugal com fixação de profissionais faz supor que salário global em Portugal é atractivo – note-se ainda que o nº global de médicos em actividade é inferior em Espanha (3,2 Vs 3,3/1000 hab, daria em Portugal menos mil que os actuais). Apesar disso verifica-se em Portugal escassez relativa e forte assimetria (razão especialistas/MF), SUs são uma das causas; Nota: os salários em Portugal parecem algo elevados nos médicos e enfermeiros (link), sobretudo se considerarmos o peso do trabalho extraordinário em Portugal (+32,9% do valor base nos médicos, cf. Relatório do SNS de 2004);
– Medicamentos: em 2001 Portugal gastava da sua despesa de saúde 23,4 % em medicamentos. Espanha gastou per capita 401 dólares em PPC em 2003 – a estimativa para Portugal, mantendo aquela %, será de 420,5 (=0,234* 1797). A diferença é por habitante/ano pelo que o desperdício será enorme.

Nota final sobre Portugal:
a)- Portugal e a eficiência macro
i. Situação de partida:
– Não é só na saúde que há ineficiência também na educação e justiça, entre outros. Teresa de Sousa no JPúblico (link), afirma que as despesas total em educação no PIB eram em 2001 de 5,9% (Espanha 4,9%, Irlanda 4,5%) e na justiça onde o orçamento dos tribunais por habitante era em Portugal de 47 euros (23,5 em Espanha, 22,2 na Irlanda);
– A ineficiência não respeita apenas ao SNS: o sector privado de saúde em Portugal apresenta preços muito superiores à média europeia correspondente (cf. OCDE);
ii. Porque esta situação se torna quase dramática?: a) De 1996 a 2005 aumentou o nº de funcionários públicos em mais 14% e 33% dos actuais aposentados FP constituíram-se nos últimos 3 anos; b) Efeito da necessidade de aumentar pensões mais baixas e de gastar mais com desempregados (S. Social aumentará as despesas); c) Saúde também subirá bastante, se nada for feito; d) Com a subida da taxa de juros e como temos maior dívida pública os encargos para Estado vão aumentar e muito. Que fazer?
b)- Principais medidas necessárias? 1º CP e cuidados de proximidade a funcionarem muito bem; 2º Reestruturação profunda da rede de SU e de HH; (também, em Lisboa e Porto, quantas urgências abertas de alta tecnologia: neurocirurgia e traumatologia “pesada”; cirurgia cardíaca;…); 3º Investir massivamente na melhoria de rentabilidade e de qualidade do ambulatório dos HH que permanecerem na rede (CE, HD, CA e MCDT); 4º…
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