sexta-feira, abril 07, 2006

Prestar contas - Ano I

Dir-se-á que, em muitos casos se trata apenas de projectos, noutros de protótipos e finalmente em outros, de arranque ainda inicial. É verdade. Não há milagres na Saúde. Há pouco espaço para "quick wins", ao contrário das empresas.
Decorreu um ano desde que troquei a tranquilidade de comentador pela de actor político. Conhecia a fragmentação do poder no sector e a difícil sustentabilidade e volatilidade do meio. Não tive surpresas aí. Só as tive, e positivas, com a capacidade de liderança, rigor, exigência e determinação acima e ao lado de mim. Tal como de há muito deixara de ser o mais novo do grupo, também agora perdi, certamente, a primazia da inovação. Mas importa prestar contas. Destacarei pontos centrais da governação no sector:
Maior atenção aos programas essenciais do Plano Nacional de Saúde geradores de ganhos em saúde (cancro, cardiovasculares, HIV-SIDA, toxicodependência, saúde materna e perinatal, promoção da saúde, planeamento familiar, reorganização da saúde mental sem complexos nem temores, redes de urgência e emergência); preparação atempada e minuciosa do país para a provável pandemia de gripe; um complexo e inovador programa de saúde para idosos e dependentes, aproveitando a oportunidade única do financiamento pelos jogos sociais, colmatando, com respostas adequadas, a brecha entre a saída não planeada do hospital e a depressão da dependência total de famílias sem recursos nem instituições preparadas; lançamento de uma sempre adiada reforma dos cuidados de saúde primários, pela criação de unidades de saúde familiares de que já existem 70 candidaturas; garantia da sustentabilidade financeira do actual modelo do SNS através de um orçamento minimamente aceitável; controlo férreo da despesa, sobretudo em medicamentos (25 por cento do total); devolução de ânimo novo aos grandes hospitais e centros hospitalares, antes divididos em feudos por já se considerarem ingovernáveis; conferindo margem de manobra empresarial a alguns novos, fazendo cessar a anterior deriva privatística; adubando terrenos de confiança recíproca com as grandes corporações de profissionais, com vista a devolver-lhes a autoridade que a lei lhes confere e que os governos tendem a restringir; planeando estrategicamente os recursos humanos do futuro próximo para que não voltemos a sofrer dos hiatos, primeiro de enfermagem e mais recentemente de médicos; facilitando a vida aos cidadãos com medicamentos mais próximos e mais baratos, com acolhimento mais amigável e eficiente, sobretudo nas urgências; gerindo listas de espera ainda arreliadoramente alongadas pelo aumento da procura resultante de maior fluidez no acesso, apesar dos enormes ganhos de produção observados; marcações de consultas à distância, aqui e ali, alguns pontilhados de vídeo-consulta, ainda tímidos, mas já promissores; projectos de múltiplo alcance como a prescrição electrónica já em uso em alguns centros de saúde, a baixa por doença simultânea da consulta (em 70 locais já), o Cartão do Cidadão que simplificará as relações também na Saúde, o recuperar do projecto "Nascer Cidadão" que reúne saúde, segurança social e registo civil em um só acto de registo, no próprio local de nascimento.
Dir-se-á que, em muitos casos se trata apenas de projectos, noutros de protótipos e finalmente em outros, de arranque ainda inicial. É verdade. Não há milagres na Saúde. Há pouco espaço para "quick wins", ao contrário das empresas. Apenas trabalho paciente, de resultados que demoram a aparecer. Mas ninguém pode recusar a existência de um caminho, uma estratégia, uma visão do futuro, consonante com as boas práticas internacionais, ambiciosa, mas sustentável com os recursos do país.
Também se dirá que a impopularidade nos ronda: redução de comparticipações em genéricos, insuficientemente compensada pela redução geral de 6 por cento nos preços; aumento selectivo de taxas moderadoras; concentração de salas de partos, de urgências e de locais de atendimento nocturno, com sensação de perda local, percebida por alguns como superior ao ganho em segurança e qualidade; exigente controlo da gestão de hospitais, prevenção e luta aberta contra a corrupção e fraude no sector. Exemplos que fenecerão de agressividade se soubermos ouvir, esclarecer e agir.
Valeu a pena o esforço físico, a perda de tranquilidade, a agressão sofrida, a indignação calada, a frustração de projectos a aguardarem melhores dias? Cedo ainda para um juízo. Mas não nos iludamos, não há políticos à força. As dificuldades e incompreensões estimulam o engenho para as vencer. E nada há como o prazer da luta por uma causa de cidadania.
António Correia de Campos, JPúblico, 07. 01.06