Fazer melhor c/ menos Recursos
A forma como vier a ser utilizada a próxima leva de fundos comunitários, talvez a última que vamos receber de Bruxelas em termos muito substanciais, pode ser decisiva para aquilo que temos de fazer em tempo recorde, se queremos inverter a rota de divergência com a Europa que estamos a seguir nos últimos cinco anos: alterar o modelo de desenvolvimento da economia portuguesa .
1. Há dias, numa reunião em Bruxelas com um responsável da Comissão, a apresentação de um pequeno conjunto de quadros comparados teve o mérito de sublinhar a traço muito forte um dos problemas centrais com que nos debatemos em Portugal: o esbanjamento de recursos. Ou melhor, a relação perversa entre aquilo que gastamos em educação, em saúde, em justiça e aquilo que recolhemos em resultados. Os exemplos já vão sendo conhecidos. Vale sempre a pena recordar alguns.
O que gastamos em média com um aluno do ensino pré-universitário é, segundo dados da OCDE de 2001, de cerca de 5000 dólares. Mais do que em qualquer dos outros três países da União Europeia chamados "da coesão" (Espanha, Grécia e Irlanda). Pouco menos que na França. Nem vale a pena referir que, em termos de resultados (medidos em sucesso escolar, qualidade do ensino, etc.), estamos no último lugar da escala europeia. A conclusão é mais ou menos óbvia: não se trata de falta de recursos, trata-se de recursos esbanjados, muitas vezes sem critério, sem exigência de resultado, gastos para satisfazer determinados grupos sociais.
Mas outra comparação consegue deixar-nos ainda mais estupefactos. Por cá, gasta-se mais ou menos o mesmo por aluno nos graus pré-universitários e no grau superior. Em 2001, 5065 para 5200 dólares. Escusado será dizer que, nos casos em comparação, a diferença é maior e vai crescendo conforme o país em causa é mais desenvolvido. Na Irlanda duplica, tal como nos EUA.
Se passarmos para as despesas globais em educação, o nível de esbanjamento torna-se ainda mais evidente. No mesmo ano, somando despesa pública e privada, Portugal investia 5,9 por cento do PIB (dos quais apenas 0,1 do sector privado). A Espanha investia 4,9 por cento e a Irlanda 4,5. Saindo do "grupo da coesão", a França investia 6 por cento e os EUA 7,3 (2,3 do sector privado).
Mais um exemplo, este retirado de um estudo do Conselho da Europa sobre os sistemas judiciários europeus, que fala por si. Orçamento dos tribunais por habitante, em euros: 47 em Portugal; 23,5 para Espanha; 22,2 para a Irlanda. Número de juízes por 100 mil habitantes: 15 em Portugal; 9,8 em Espanha; 3 na Irlanda; 10,4 na França. Mas há mais. O salário de um juiz em início de carreira é, em Portugal, superior ao de um francês. No topo, continua acima da França. Em termos comparados, um juiz em início de carreira ganha, em Portugal, 4 vezes o salário médio nacional e, no topo, quase 10 vezes mais. Em França, ganha o mesmo para o primeiro caso e um pouco mais para o segundo. Na Espanha, 2,5 e 6,5 vezes mais, respectivamente.
Conclusão: há um terrível problema de ineficiência dos serviços públicos, que não é um problema de falta de recursos mas um problema de falta de racionalidade, de eficácia e de critério na sua utilização. Reformar a máquina do Estado é, pois, uma absoluta prioridade, talvez o maior desafio que este Governo tem pela frente e, porventura, o contributo mais decisivo para melhorar as condições da competitividade da economia portuguesa. A lógica do PRACE (Programa de Reforma da Administração Central do Estado), apresentado com pompa e circunstância na semana passada, vai no bom caminho. Falta passar dos planos aos actos, enfrentar resistências, modificar mentalidades. Para maximizar os recursos e, em última análise, para reduzir o peso do Estado na riqueza do país. O Governo ainda não disse o que fará aos funcionários públicos que a racionalização da máquina administrativa tornará inevitavelmente excedentários. É uma questão politicamente incómoda, sobretudo quando o desemprego cresce, a economia não cresce e é preciso prolongar a vida activa das pessoas para sustentar a prazo a segurança social. Mas, num país que gasta com salários da função pública 15 por cento do PIB (a média europeia fica-se nos 11 por cento), alguma coisa terá de ser feita.
2. A questão da utilização, boa ou má, dos recursos disponíveis é particularmente relevante quando se aproximam as negociações finais do novo quadro comunitário de apoio (2007-2013), que agora se chama QREN (Quadro de Referência Estratégica Nacional).
A forma como vier a ser utilizada a próxima leva de fundos comunitários, provavelmente a última que vamos receber de Bruxelas em termos muito substanciais, pode ser decisiva para aquilo que temos de fazer em tempo recorde, se queremos inverter a rota de divergência com a Europa que estamos a seguir nos últimos cinco anos: alterar o modelo de desenvolvimento da economia portuguesa.
Há dois caminhos possíveis. O primeiro resume-se a seguir a lógica de utilização dos fundos que, em boa medida, prevaleceu no passado: a chamada lógica do "regador" - uma chuva de dinheiro sobre uma miríade de projectos, os que interessam, os que não interessam, os que perpetuam artificialmente o que está, os que ajudam a mudar, os que apenas servem clientelas políticas ou empresariais ou académicas, e os que ajudam a acelerar a alteração do padrão de desenvolvimento. A alternativa é uma forte concentração de dinheiro naquilo que é decisivo para mudar a economia do país, ou seja, nos sectores de forte valor acrescentado que permitam alterações estruturais no modelo de desenvolvimento. Somada, de preferência, a uma nova cultura de avaliação e de responsabilização.
O Governo já anunciou que a lógica será a da concentração segundo o critério das quatro grandes prioridades do programa nacional de reformas da agenda de Lisboa (Pnace) e está a agir na questão fundamental dos chamados "custos de contexto", muitas vezes mais importantes do que o apoio directo às empresas.
Mas sabemos que as pressões serão terríveis e as tentações tremendas. Regressada de Bruxelas, bastou o simples acto de ligar a televisão para assistir a uma demonstração ao vivo e a cores do que está em causa. A notícia de mais um grande projecto regional - a ligação pedonal das duas margens do Douro, entre a Ribeira do Porto e a zona ribeirinha de Gaia. Os protagonistas da ideia desfilam perante as câmaras glorificando a importância da obra. E justificam assim a sua oportunidade: "É que vem aí o novo quadro comunitário de apoio..."
Teres de Sousa, jpublico 04 04 06
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