Garantia dos Utentes e as PPP
Independentemente das opções políticas que vierem a ser adoptadas pelo actual MS em matéria de Parcerias Público-Privadas (PPP), julgo dever chamar a atenção para três ideias fundamentais:
a) – necessidade de inovação em matéria de Administração de Saúde, no quadro de uma multiplicidade de instrumentos e mecanismos jurídicos, financeiros, organizacionais e sociais;
b) – respeito e defesa do interesse público enquadrado na prestação de serviços tendentes à satisfação de necessidades dos cidadãos seja pela própria Administração seja por outras entidades com as quais aquela contrata;
c) – protecção dos cidadãos que demandam os serviços de saúde, enquanto serviço público.
Neste momento será oportuno fazer uma reflexão sobre a protecção dos direitos dos cidadãos, reportado às PPP.
1.– Direito de Reclamação
No fundo, a conduta da Administração Pública (AP), ou de outras entidades públicas ou das entidades particulares, agindo em nome daquelas, ou por causa de uma relação contratual com aquelas, é pautada por regras de comparabilidade legal, baseadas no dever de respeito e de ponderação ou de consideração.
Mas este direito e este interesse dos cidadãos também estão consagrados na CRP: «Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer outras autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral» ... «sendo também reconhecido o direito de acção popular, nos casos e termos previstos na Lei Fundamental».
Um outro aspecto da garantia judicial dos terceiros, sobretudo dos cidadãos utentes dos serviços de saúde, é o que se refere à possibilidade de reclamação, consubstanciada na Bse XIV da Lei de Bases da Saúde, n.º 1, g), segundo a qual os utentes podem «Reclamar e fazer queixa sobre a forma como são tratados e, se for caso disso, receber indemnização por prejuízos sofridos, nos termos da responsabilidade civil».
2. – Os Direitos de Terceiros no âmbito do Contencioso Administrativo
Por um lado, nos contratos da AP com entidades particulares a produção de efeitos na esfera jurídica de terceiros é ainda mais relevante e evidente, porquanto se está perante actividades praticadas por particulares transfigurados em entidades administrativas, com prorrogativas e direitos (designadamente as questões relativas aos actos praticados no decurso pré-contratual e mesmo na celebração do contrato – enfim aqueles actos que se referem à escolha do procedimento de selecção, à falta de publicação de anúncio, à errada composição do júri, à exclusão, etc).
Por outro lado, o fenómeno da legitimidade processual das partes é alargado nos termos seguintes:
a) – A legitimidade activa para submeter a tribunal tanto pode caber a particulares como a entidades públicas, desde que persista o interesse de os tribunais administrativos apreciarem as situações de violação (ou eminente violação) de direitos e interesses legalmente protegidos.
b) – Os cidadãos, no âmbito do contencioso administrativo, têm a possibilidade de exercerem o direito de acção popular para defesa de “valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais”, direito que a CRP lhes confere, como se viu, no artº 52 º, n.º 3;
c) – Existe ainda a legitimidade para propositura de acções no domínio da execução dos contratos, para garantia do cumprimento, por parte dos concessionários de serviços de interesse económico geral, dos deveres consignados no contrato de concessão em que se consubstancia a garantia dos princípios da igualdade de tratamento dos utentes, da continuidade do serviço e da eficiência na gestão das redes de serviço público.
Parece poder concluir-se que os utentes de um dado hospital no seio do qual foi celebrado um contrato de parceria entre a administração e um particular, caso se sintam lesados pelo deficiente ou imperfeito ou incompleto tratamento ou atendimento, podem demandar judicialmente quer a entidade pública (os corpos gerentes do hospital) quer a parte concessionária (uma entidade privada) – as pessoas colectivas, às quais corresponde afinal, a legitimidade passiva para se defenderem.
Se o contratro de gestão for omisso em matéria de escolha de patologias a tratar (sempre num contrato hão-de estar assegurados o tratamento de certas patologias de acordo com a capacidade instalada), ou se não se enquadrar no planeamento da saúde de uma dada região (pois é bom não esquecer que estamos a falar de articulação dentro do SNS), ou se não estabelecer preços de acordo com as tabelas praticadas (um contrato há-de seguir um preçário previamente estabelecido), ou não definir critérios de qualidade (de actuação) – ou se a entidade concessionária não acompanhar, dentro do que ficar estabelecido, a evolução técnica do processo de exploração adoptado – não há dúvidas que o contrato de parceria fica ferido de vícios que prejudicam claramente os terceiros ou destinatários do seu objecto.
É exactamente no âmbito da execução dos contratos de parceria que poderão surgir danos para os terceiros e que podem resumir-se a:
a) - danos decorrentes do risco inerente à execução do mesmo ou do normal funcionamento do serviço prestado;
b) - danos resultantes de negligente execução contratual ou do seu não cumprimento por parte dos co-contratantes
c) - danos imputáveis ao deficiente exercício dos poderes deveres de fiscalização e vigilância por parte da Administração (de qualquer entidade pública).
Perspectivas:
1. - A relação jurídica administrativa envolve dois sujeitos de Direito, públicos ou privados, com vista à prossecução do interesse público, e que se plasma na concretização de diversas formas de contratos, entre os quais a parceria público-privada em saúde, no horizonte das opções político-jurídicas.
2. – Todavia, a noção ontológica de interesse público é, actualmente, ultrapassada por dinâmicas de “interesses” que não conduzem ao sentido social que está presente na CRP.
3. – É manifesta a necessidade de uma intervenção reguladora que conduza à capacidade de acompanhar e fiscalizar as actividades levadas a cabo por entidades privadas.
4. – Os terceiros podem reclamar e apresentar petições ou queixas, e podem também recorrer aos tribunais para defesa dos interesses e direitos que eventualmente possam ser postos em causa na execução de um contrato de parceria.
5. – É imperioso colocar muito empenho e cautela na fase da sua construção e elaboração das PPP, sob pena de se ferir de morte o SNS, ou de as parcerias se transformarem num fracasso com fortes repercussões negativas no atendimento dos utentes dentro do Sistema de Saúde, principalmente dos mais desfavorecidos.
a) – necessidade de inovação em matéria de Administração de Saúde, no quadro de uma multiplicidade de instrumentos e mecanismos jurídicos, financeiros, organizacionais e sociais;
b) – respeito e defesa do interesse público enquadrado na prestação de serviços tendentes à satisfação de necessidades dos cidadãos seja pela própria Administração seja por outras entidades com as quais aquela contrata;
c) – protecção dos cidadãos que demandam os serviços de saúde, enquanto serviço público.
Neste momento será oportuno fazer uma reflexão sobre a protecção dos direitos dos cidadãos, reportado às PPP.
1.– Direito de Reclamação
No fundo, a conduta da Administração Pública (AP), ou de outras entidades públicas ou das entidades particulares, agindo em nome daquelas, ou por causa de uma relação contratual com aquelas, é pautada por regras de comparabilidade legal, baseadas no dever de respeito e de ponderação ou de consideração.
Mas este direito e este interesse dos cidadãos também estão consagrados na CRP: «Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer outras autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral» ... «sendo também reconhecido o direito de acção popular, nos casos e termos previstos na Lei Fundamental».
Um outro aspecto da garantia judicial dos terceiros, sobretudo dos cidadãos utentes dos serviços de saúde, é o que se refere à possibilidade de reclamação, consubstanciada na Bse XIV da Lei de Bases da Saúde, n.º 1, g), segundo a qual os utentes podem «Reclamar e fazer queixa sobre a forma como são tratados e, se for caso disso, receber indemnização por prejuízos sofridos, nos termos da responsabilidade civil».
2. – Os Direitos de Terceiros no âmbito do Contencioso Administrativo
Por um lado, nos contratos da AP com entidades particulares a produção de efeitos na esfera jurídica de terceiros é ainda mais relevante e evidente, porquanto se está perante actividades praticadas por particulares transfigurados em entidades administrativas, com prorrogativas e direitos (designadamente as questões relativas aos actos praticados no decurso pré-contratual e mesmo na celebração do contrato – enfim aqueles actos que se referem à escolha do procedimento de selecção, à falta de publicação de anúncio, à errada composição do júri, à exclusão, etc).
Por outro lado, o fenómeno da legitimidade processual das partes é alargado nos termos seguintes:
a) – A legitimidade activa para submeter a tribunal tanto pode caber a particulares como a entidades públicas, desde que persista o interesse de os tribunais administrativos apreciarem as situações de violação (ou eminente violação) de direitos e interesses legalmente protegidos.
b) – Os cidadãos, no âmbito do contencioso administrativo, têm a possibilidade de exercerem o direito de acção popular para defesa de “valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais”, direito que a CRP lhes confere, como se viu, no artº 52 º, n.º 3;
c) – Existe ainda a legitimidade para propositura de acções no domínio da execução dos contratos, para garantia do cumprimento, por parte dos concessionários de serviços de interesse económico geral, dos deveres consignados no contrato de concessão em que se consubstancia a garantia dos princípios da igualdade de tratamento dos utentes, da continuidade do serviço e da eficiência na gestão das redes de serviço público.
Parece poder concluir-se que os utentes de um dado hospital no seio do qual foi celebrado um contrato de parceria entre a administração e um particular, caso se sintam lesados pelo deficiente ou imperfeito ou incompleto tratamento ou atendimento, podem demandar judicialmente quer a entidade pública (os corpos gerentes do hospital) quer a parte concessionária (uma entidade privada) – as pessoas colectivas, às quais corresponde afinal, a legitimidade passiva para se defenderem.
Se o contratro de gestão for omisso em matéria de escolha de patologias a tratar (sempre num contrato hão-de estar assegurados o tratamento de certas patologias de acordo com a capacidade instalada), ou se não se enquadrar no planeamento da saúde de uma dada região (pois é bom não esquecer que estamos a falar de articulação dentro do SNS), ou se não estabelecer preços de acordo com as tabelas praticadas (um contrato há-de seguir um preçário previamente estabelecido), ou não definir critérios de qualidade (de actuação) – ou se a entidade concessionária não acompanhar, dentro do que ficar estabelecido, a evolução técnica do processo de exploração adoptado – não há dúvidas que o contrato de parceria fica ferido de vícios que prejudicam claramente os terceiros ou destinatários do seu objecto.
É exactamente no âmbito da execução dos contratos de parceria que poderão surgir danos para os terceiros e que podem resumir-se a:
a) - danos decorrentes do risco inerente à execução do mesmo ou do normal funcionamento do serviço prestado;
b) - danos resultantes de negligente execução contratual ou do seu não cumprimento por parte dos co-contratantes
c) - danos imputáveis ao deficiente exercício dos poderes deveres de fiscalização e vigilância por parte da Administração (de qualquer entidade pública).
Perspectivas:
1. - A relação jurídica administrativa envolve dois sujeitos de Direito, públicos ou privados, com vista à prossecução do interesse público, e que se plasma na concretização de diversas formas de contratos, entre os quais a parceria público-privada em saúde, no horizonte das opções político-jurídicas.
2. – Todavia, a noção ontológica de interesse público é, actualmente, ultrapassada por dinâmicas de “interesses” que não conduzem ao sentido social que está presente na CRP.
3. – É manifesta a necessidade de uma intervenção reguladora que conduza à capacidade de acompanhar e fiscalizar as actividades levadas a cabo por entidades privadas.
4. – Os terceiros podem reclamar e apresentar petições ou queixas, e podem também recorrer aos tribunais para defesa dos interesses e direitos que eventualmente possam ser postos em causa na execução de um contrato de parceria.
5. – É imperioso colocar muito empenho e cautela na fase da sua construção e elaboração das PPP, sob pena de se ferir de morte o SNS, ou de as parcerias se transformarem num fracasso com fortes repercussões negativas no atendimento dos utentes dentro do Sistema de Saúde, principalmente dos mais desfavorecidos.
Paulo Salgado - Administrador Hospitalar
In revista Gestão Hospitalar, Maio 2005.
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