sexta-feira, maio 19, 2006

Entrevista de CC - Revista Prémio

Assumindo-se como fazendo parte da esquerda reformista, o Ministro da Saúde, Correia de Campos, explica o encerramento dos blocos de partos em nome da qualidade e da segurança.

As mais recentes medidas do ministério têm sido criticadas por vários sectores da sociedade…
Quais?

Fecho de hospitais, fecho de blocos de partos…
Em primeiro lugar, não há fecho de hospitais. Em segundo lugar, não há fecho de maternidades mas apenas transferência dos partos dos sítios onde hoje decorrem, sem condições de segurança, para sítios com condições de qualidade.

Até António Arnaut, fundador do Serviço Nacional de Saúde (SNS), diz que muitas destas medidas não são típicas de um Governo socialista e que o Executivo devia refrear os seus ímpetos capitalistas…
(risos) A opinião é totalmente livre entre as pessoas do Partido Socialista, que sempre foi um partido com tradição de pluralidade opinativa, pelo menos, para não dizer ideológica. Naturalmente, dentro da esquerda há uma esquerda conservadora e uma esquerda reformista, eu situo-me na esquerda reformista.

Não reconhece que existe um ímpeto capitalista ou uma visão economicista da Saúde?
Acho que esse comentário desconhece todo o trajecto da esquerda socialista e dos governos de esquerda contemporâneos, nos últimos dez anos, desde o presidente Clinton… esse é um comentário da esquerda conservadora.

Uma das outras críticas que recebeu foi devida ao aumento das taxas moderadoras. Quanto é que se ganha com este aumento?
Muito pouco. Dará nem cinco milhões de euros, o que é menos de 0,05% da despesa do SNS. Pretende-se reorientar a procura dos serviços de urgência. Em primeiro lugar, actualizar as taxas. É um aumento muito baixo – 2,4% na generalidade dos serviços - e há alguns serviços que não sofreram qualquer aumento. Nas urgências é que há actualizações de 24% porque, justamente, são estas que precisam de reorientação da procura para não estarmos a distorcer o sistema. Se não criarmos algumas barreiras à procura nas urgências vamos buscar os recursos dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), prejudicando-os. Vamos ter de ir buscar cada vez mais médicos de família aos CSP, que vão estar hipotecados às urgências hospitalares e que, no dia seguinte, não podem estar presentes nos centros de saúde, gerando mais atrasos nas consultas de centro de saúde, que provocam mais idas às urgências… É uma pescada de rabo na boca que é completamente prejudicial ao paciente.
É, pois, por isso que esta é uma medida de modernização, reorientação, mesmo de ajuda, do cidadão no SNS.

Qual vai ser a periodicidade destes aumentos?
Anuais, em função do custo de vida, naturalmente. Aliás, no último ano tínhamos acabado de entrar no Executivo e ainda não tínhamos a noção exacta de como estava o SNS e foi por isso que não os aplicámos.

Outra das críticas que tem recebido é que não se está a respeitar o espírito da Constituição em que se consagra que o sistema de Saúde tem de ser tendencialmente gratuito…
Já leu a Constituição? E o artigo 64º da Constituição? O que lá está é que o direito aos cuidados de saúde é realizado através de um “serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”. Há muita gente que omite esta frase da Constituição, que é muito importante.
Desde sempre que o SNS teve isenções para as pessoas que estão em pior situação e muitas vezes não se consegue determinar quem são. Agora, por exemplo, em relação ao suplemento de comparticipação de medicamentos a pessoas idosas. Pura e simplesmente pedimos às pessoas para assinarem um compromisso em que nos autorizavam a confirmar, junto das Finanças, as informações prestadas. Isso, naturalmente, fez cair o número de utentes que recorriam a essa comparticipação.

Quanto é que caiu?
450 mil utentes a menos! O que significa que havia pessoas que estavam a exibir um documento comprovativo de terem uma pensão mínima e que tinham afinal muitos outros rendimentos.

Qual é o peso desta comparticipação no SNS?
O total das pessoas que estavam a beneficiar desta comparticipação era de 53% do número das prescrições.

Vai manter esta comparticipação ou vai alterar o regime das comparticipações?
Os regimes especiais de comparticipações têm de ser muito bem estudados, porque eles têm em conta vários elementos de dificuldade, de complexidade. Em primeiro lugar, não atingem uma grande parte da população. Em segundo lugar, atingem pessoas que estão pesadamente incapacitadas. Em terceiro lugar, quando à pesada incapacitação ou doença grave se associa a pobreza, a situação é catastrófica. Estas distinções não são fáceis de fazer e precisamos de algum tempo para o fazer.

Não estava previsto que esse estudo estivesse pronto no final de Janeiro?
Que eu me lembre não. Há, sim, um outro estudo sobre a comparticipação acrescida dos genéricos. Há um diploma que foi aprovado no final de 2005 e que prorrogou a manutenção da situação actual para o primeiro semestre de 2006 e agora tem de ser tomada a decisão a esse respeito. E vamos baixar de 25% para 20% a comparticipação.

Essa redução implica o quê?
O objectivo dessa baixa não é, obviamente, prejudicar as pessoas. É fazer com que os genéricos baixem. O que, de certa forma, tende a acontecer. Os genéricos são muito caros porque foram promovidos artificialmente com mecanismos deste tipo. E esta promoção especial colocou-os num sítio comparativamente muito alto face aos medicamentos estrangeiros. A verdade é que retirámos o bónus de comparticipação de 10% e quando toda a gente dizia que iam baixar as vendas eles subiram tranquilamente. Estão perto dos 15% da quota de mercado. Portanto, tínhamos razão.

Não prevê que a baixa da comparticipação venha alterar esse equilíbrio de forças?
Não. Prevejo que baixe o preço dos genéricos e, portanto, beneficie o cidadão. Estou perfeitamente seguro que a redução dos preços, a médio prazo – até mesmo antes de um ano – vai trazer melhores condições para os cidadãos.
Além disso, a prescrição automática, que já está em vigor em 150 centros de saúde, é um factor de racionalidade de despesa que beneficia fantasticamente o cidadão.

Como?
O médico tem no écran, à cabeça dos medicamentos de um determinado princípio activo, os genéricos assinalados. E tem, para cada medicamento, a diferença de preço em relação ao medicamento de referência. Não se pretende fazer mais do que isto – chamar-lhe a atenção para medicamentos com o mesmo princípio com preços mais baixos que aquele que ele estava eventualmente a pensar.
Temos resultados visíveis já dessa situação. Os centros de saúde com SAM (Serviço de Apoio ao Médico), a prescrição electrónica, conseguem controlar os gastos em medicamentos face aos centros de saúde que ainda não têm. (Ver gráfico). É um efeito visível e baixa a factura dos medicamentos também para o cidadão.

Quando é que entra em vigor a redução da comparticipação para 20%?
O diploma terá de ser levado a conselho de ministros para aprovação até ao final de Junho.
Voltando um pouco atrás e à reorganização dos blocos de partos, dos serviços hospitalares, dos serviços de atendimento permanente (SAP). Tudo isto tem uma componente financeira.
Tem uma componente de qualidade. Deixe-me explicar os números. Nos cinco blocos de partos que têm menos de 1500 partos, por exemplo, na região Norte do País, sabe quantos internos da especialidade há? Zero!
Isto significa que não há nenhum médico em formação, em treino, que queira ir para aqueles sítios. As idades médias dos médicos nestes locais são entre 50 e 55 anos. A partir dos 50 anos um médico está dispensado de fazer urgências nocturnas e dos 55 das urgências diurnas. Alguns desses blocos de partos funcionam apenas graças a médicos reformados.
Desde o despacho da Leonor Beleza de há 20 anos, desde a Comissão Nacional da Mãe e da Criança, a Ordem dos Médicos, os sindicatos, todas as recomendações nacionais e internacionais são contra a manutenção de pequenas unidades onde não haja o número suficiente de médicos, onde não haja, por exemplo, um pediatra treinado em neonatalogia. Neste caso, isto significa que, se há um prematuro grave a única forma de ele se safar é ser mandado numa ambulância especial do INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) para o Santo António, no Porto.
Alguns dos médicos dessas unidades dizem que nunca tiveram nenhum morto! Pois não!
Nós temos de cuidar do futuro. Se a racionalização e concentração dos partos não se fizer já, tem que se fazer dentro de dois anos, três anos. Porque não há médicos, pura e simplesmente! Não há médicos obstetras para aguentar a qualidade desses serviços.

São precisos quantos?
Para ter uma unidade de partos a funcionar, em 24h, é preciso ter oito médicos obstretas. Em Mirandela, há dois médicos e um senhor de 78 anos! Barcelos tem seis, dos quais quatro com mais de 50 anos.

E os novos médicos?
Previsão de saída de especialista de ginecologia da região Norte, em 2006, estão previstos nove médicos; em 2008, sete médicos; em 2009, oito médicos. Alguns destes vão para estes hospitais? Eles vão para as maternidades onde possam praticar e aprender. Não se vão enfiar numa maternidade onde não há neonatalogia, onde a sala de operações é fraquíssima, está em péssimas condições, como é a de Barcelos.
É um problema de futuro. Não se constrói o futuro com base em ausência de recursos humanos. Mesmo que houvesse excelente equipamento.
Começámos com Santo Tirso porque tem Vila Nova de Famalicão ao lado e estão facilmente a integrar-se num centro hospitalar. Encerra-se Amarante porque tem muito próximo o Hospital do Vale do Sousa; encerra-se Barcelos porque está a 15 minutos da Guarda e pode constituir um centro. Não se encerra Chaves, que tem 350 partos, porque não está feita a A24, que estará concluída em 2007. Nessa altura a viagem até Vila Real demorará 20 a 30 minutos.

Mas é inegável que toda esta reestruturação tem uma componente financeira. Até pelo impacto que terá nas regiões.
Não tem impacto económico nenhum.
Não é o que pensam os autarcas.
Aos autarcas ainda não lhes foi possível explicar que nós não estamos a encerrar serviços. No Nordeste Transmontano passámos os dois cirurgiões que estavam em Macedo de Cavaleiros para Mirandela, porque aqui há um bom serviço de cirurgia onde era preciso ganhar economias de escala. E os ortopedistas que estavam em Bragança e não tinham condições de trabalho passaram para Macedo de Cavaleiros, onde há um bom serviço de ortopedia.
Esta reorganização é o que se tem de fazer. É como disse o sr. Primeiro-Ministro. Se queremos ter serviços medíocres espalhemo-nos. Se queremos ter serviços europeus, de qualidade, temos de os concentrar. E temos de encontrar meios de comunicação e de transporte onde eles não existem. Temos que fazer uma cedência como é o caso de Chaves.
O dinheiro também é importante. Não podemos esquecer que as oito pessoas de serviço permanente para manter um bloco de partos por 24h custam 5 mil euros por dia. Se fizer um parto diário significa que ele custa cinco mil euros – mil contos - só em pessoal, fora o equipamento, a sala, gazes, anestésicos, medicamentos, etc.

Então onde é que pode cortar nas despesas?
Como estamos a fazer! Por exemplo, o Hospital de S. João tinha todos os enfermeiros em horário acrescido. Um enfermeiro de meia-idade em horário acrescido está cansado. Substituímos os horários acrescidos por enfermeiros novos. Dando emprego a enfermeiros novos, sai-nos mais barato. Nos primeiros tempos eles ainda não estão treinados e, por isso, até vamos ter um pequeno aumento de despesa. Mas a partir de certa altura é uma solução de custo efectivo.
Num dos hospitais do Norte do País – e não digo qual por razões éticas – há um serviço de cirurgia que tem só dois profissionais. Ora está um, ora está outro de serviço 24 horas. Sabe quanto custou um deles, no ano passado, em horas extraordinárias, além do ordenado? 250 mil euros! É o ordenado anual de quatro ministros! E são pessoas de altíssima qualidade profissional, não está isso em causa.
O que está em causa é que estamos no século XXI e um serviço de cirurgia ganha em ter escala, ter dimensão.

Além de médicos faltam também enfermeiros. A Ordem diz que faltam cerca de 20 mil profissionais.
Não posso concordar, porque os enfermeiros do Norte do País queixam-se que têm de vir para o Sul para terem emprego. E estamos a acolher nos hospitais do Sul do País uma grande quantidade de novos enfermeiros treinados por nós.

E há cabimento orçamental para novas contratações, já que tem de cortar nas despesas?
Estamos a controlar a despesa com um rigor muito grande. Tivemos já entrevistas com 25 hospitais, um por um, duas horas com cada um. Há alguns dias tivemos aqui no gabinete o Sr. Ministro das Finanças, o Sr. Secretário de Estado do Tesouro, o Sr. Secretário de Estado da Saúde e eu e as administrações dos hospitais de S. João e de Santa Maria. O tema foi o controlo de gastos. E vamos fazê-lo.

Quando?
Até ao final do ano vamos conseguir controlar o orçamento.

Mas, por exemplo, a Apifarma (Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica) diz que os hospitais do Serviço Público Administrativo (SPA) reduziram a sua dívida em 50%, enquanto que os hospitais Entidades Públicas Empresariais (EPE) aumentaram a sua dívida em mais de 40%...
Provavelmente, não sabe que essas dívidas não são um prejuízo para os laboratórios. O sobrecusto dos Hospitais Sociedades Anónimas (SA), calculado pelo professor Miguel Gouveia, medido em juros anuais, foi de 38%. Os hospitais, quanto mais se atrasam, mais caros compram os medicamentos. Não tenham pena dos laboratórios! Com o sobrecusto de 38% de juros dá e sobra para pagar qualquer taxa de juro bancária.
É do interesse dos hospitais pagar a curto prazo porque podem comprar melhor. E é isso que se está a verificar. Estamos a comparar em muitos sítios porque os hospitais têm ‘cash’ para pagar.

Então como se justifica esta diferença entre hospitais SPA e EPE’s?
É uma questão de política de gestão interna. Não me meto na gestão interna. Há alguns hospitais que não estão a cumprir a contratualização.

O que vai acontecer a esses hospitais?
Vamos a ver. É uma boa questão.

Não tenciona tomar uma medida para castigar essas unidades?
Isso não vai com castigos. Tem de haver diferenciação de tratamento e medidas drásticas.

Quais?
Veja-se o que se está a passar no Centro Hospitalar do Alto Minho.
Os funcionários estão a protestar porque lhes foram retiradas regalias.
Ora pois. Os hospitais devem ser como as empresas. Os que não conseguirem, temos de ver bem a situação deles, se a situação é imputável a má gestão, a uma má gestão anterior em alguns dos casos, ou se é imputável a quebras de produtividade devido à sua dimensão, pequena ou grande, ou desperdícios. A verdade é que esses hospitais têm de ser tratados de forma diferente. Não pergunte agora como. O nosso papel é incentivar esses hospitais a recuperar o atraso.

Se não quer castigar os hospitais mas incentivá-los, o que poderá fazer?
Falar com eles todos os dias! Neste momento já temos a informação dos hospitais em cima da mesa, coisa que nunca tivemos no Ministério da Saúde.

Continua convencido dos benefícios da empresarialização?
Ah, sim! Tanto assim é que fomos para a empresarialização dos dois maiores hospitais que é um passo muito arriscado. Estamos a arriscar muito com Bruxelas e o Eurostat porque gastámos quase 300 milhões de euros de capital com as últimas empresarializações que fizemos no final do ano passado. Verba que, em termos de défice, é 0,2%.
Imaginemos que os hospitais tenham sido mal administrados. Se Bruxelas, em Setembro, chegar à conclusão que esta experiência foi uma experiência fictícia, que aquele capital foi ‘comido’ pelas despesas e que não houve nenhuma vantagem na empresarialização significa que vão atribuir estes 0,2% ao nosso défice de 6%. Seria perfeitamente desastroso para o País.

Essa preocupação com o défice não se traduz numa redução da qualidade dos serviços prestados?
Vamos cortar na gordura, não vamos cortar no músculo!

Mas disse que não era responsável pelos actos de gestão interna.
Vamos aos exemplos. Acha que os portugueses apreciam o valor de ter uma urgência médico-cirúrgica aberta numa pequena cidade do interior do País, sem condições, onde há apenas um ou dois cirurgiões e que custa – só em horas extraordinárias – meio milhão de euros por ano? Faz algum sentido para os portugueses que haja 57 Serviços de Atendimento Permanente (SAP) no País, abertos da meia-noite às 8h da manhã e em que isso custe 30 milhões de euros? E em que 50% deles atendem 2,4 pacientes por noite? Acha que é legítimo que o povo português gaste 30 milhões de euros nessa situação? Se conseguir poupar 10 milhões fico muito satisfeito. Dinheiro que me é muito necessário para o cuidado aos doentes mentais e aos idosos.

Já disse que vai empresarializar mais hospitais. Já decidiu quais?
A nossa política de empresarialização parte da iniciativa dos hospitais. Há várias hipóteses em estudo. No Alentejo há a criação de unidades locais de saúde, pelo menos uma em Beja; outra em Portalegre, a transformação da EPE em unidade local de saúde, que é uma modalidade que integra os centros de saúde; eventualmente Évora; há a possibilidade de criar um centro hospitalar que reuna Vila Real, Régua mais Lamego e Chaves, se Chaves quiser. Há a possibilidade de criar um centro hospitalar na Beira Interior com Guarda, Covilhã e Castelo Branco; ainda a possibilidade de criar um centro hospitalar juntando Santo Tirso e Vila Nova de Famalicão; outro de Braga com Barcelos.

Quando será tomada a decisão?
Alguns ainda dentro deste semestre. Mas se quisermos utilizar os recursos que temos para a empresarialização dos hospitais temos de fazer até ao final do ano.

Para além do encerramento do Hospital do Desterro, em Lisboa...
Nem vai fechar! Já temos outras coisas para lá pôr, quase de urgência. O Centro de Apoio à Toxicodependência das Taipas está a cair e muito provavelmente vamos transferi-lo para parte das instalações do Desterro.
Nenhum outro hospital encerrará sem que tenha outro que o substitua. Isso foi uma contra-informação completamente infantil. O ministério não vai encerrar hospitais vai substituí-los. Unidades que estão na zona urbana com dificuldades enormes de desenvolvimento e de comunicação e de acessos por hospitais modernos construídos a 10 minutos daqui.

Mas tem na sua mão um estudo que recomenda o fecho de algumas unidades e a reorganização dos serviços...
Não, não tenho, só no fim do ano. Mas, por exemplo, no Nordeste Transmontano havia três cirurgias e uma delas com pouquíssima gente. Juntaram-se duas para ter uma dimensão forte; havia duas ortopedias, uma boa e outra fraca, passou-se a fraca para a outra.

E os hospitais psiquiátricos?
Há uma comissão que está nomeada, que está a começar a trabalhar. Não se pode encontrar uma solução para os doentes dos hospitais psiquiátricos encerrando um hospital. Eu quero é tratar melhor os doentes que me preocupam por terem sido cronicizados. Não houve uma disciplina para que esses doentes ficassem nas unidades de saúde mental dos seus distritos. E essa disciplina não existiu porque havia muita gente interessada em trabalhar em Lisboa, muita gente interessada em que os doentes viessem para aqui, se cronicizassem, que estivessem aqui 20 anos. Não vou dizer que os médicos é que provocaram a cronicização mas digo que o contexto em que isto se passa favorece a cronicização dos doentes, desligados das famílias.
É uma solução de reabsorção lenta. Queremos fazer a experiência como Barcelona, como a Catalunha. Os doentes mentais podem, uma boa parte deles, ser tratados nas famílias.

A Rede de Cuidados Continuados terá custos repartidos entre a Saúde e a Segurança Social. Quanto é que custará à Saúde?
Em custos adicionais, no fim do terceiro ano de implementação, estaremos entre 90 a 100 milhões de euros e no fim dos 10 anos chegaremos aos 300 milhões de euros.

Confirma que esta Rede irá criar cerca de 40 mil novos empregos?
Acho que sim, no fim de dez anos. A nossa expectativa é até um pouco acima disso. Nós temos 110 mil pessoas no Ministério da Saúde e se tivermos mais 45 mil com a Rede, isso é óptimo. A Suécia tem uma população inferior à nossa e tem 500 mil funcionários públicos na Saúde e no apoio aos idosos.

Qual é o ponto da situação das parcerias público-privadas (PPP)?
As quatro parcerias que estão em marcha – Loures, Cascais, Braga e Vila Franca de Xira – estão a seguir os seus trâmites normais. Loures vai voltar a arrancar agora.

E as outras?
O meu antecessor tinha previsto uma segunda vaga com seis parcerias, mas não se sabia porquê. Fez-se então um estudo. Desses saltou fora a Guarda, entrou o Hospital de Todos os Santos (em Lisboa) e uma eventual extensão ou eventual hospital no Sul do Tejo.

Onde?
Na margem Sul do Tejo, em frente a Lisboa., dependerá das distâncias, comunicações, proximidades, etc. Vamos brevemente ter uma reunião para resolver o problema da hierarquização dessas parcerias. Dos seis desta segunda vaga nem todos serão construídos com o mesmo regime de financiamento exógeno. Se houver condições como, por exemplo, terrenos que representem o valor total suficiente para pagar o novo hospital, ou para pagar parte, será aceitável que a operação de construção seja em troca da disponibilização do terreno anterior. É o que se vai passar, seguramente, com Évora, onde há um bom terreno, com valor comercial elevado, portanto, é possível que se vá aí buscar dinheiro para a construção do novo hospital.
É uma nova forma de parceria ou, então, até pode ser feita com uma equipa pública se conseguirmos ter unhas para isso, Estas coisas dependem de termos pessoas.

Já há prazos?
Tomara eu ter estas em marcha! Seguindo as prioridades que estão indicadas, à cabeça está Todos-os-Santos e depois o Algarve. Acontece que Todos-os-Santos tem um terreno quase disponível e estamos já a trabalhar com a Câmara de Lisboa nas informações. E o Algarve tem até muitas boas condições porque tem um terreno disponível. Nem me admiro nada que o Algarve ultrapasse Todos-os-Santos.

Confirma que Todos-os-Santos poderá vir a incluir os serviços adstritos ao Hospital da Estefânia e à Maternidade Alfredo da Costa?
Confirmo os serviços da Estefânia, agora a Maternidade não sei. Metade da sua procura são pessoas que vêm de Loures. Relativamente aos outros 50% resta saber se serão deslocados para Todos-os-Santos ou se se deve transformar aquela unidade numa unidade de senologia e de saúde da mulher. São questões que só estudo a fazer até ao final do ano poderá indicar.

Ainda é um defensor do ‘opting-out’, em que o doente sai do SNS e o Estado paga-lhe o que gastaria com esse doente?
Isso já existe nos bancários, nos CTT e na Portugal Telecom.

É adepto do alargamento deste sistema?
A primeira coisa a fazer é avaliar essas experiências que existem. Há um decreto-lei de 1998 que prevê essas situações. Não tenho nada a opor a que Estado, em vez de acolher os pacientes no Serviço Nacional de Saúde, transferia para organizações representativas dos pacientes, neste caso as entidades patronais, uma capitação correspondente a esse valor. Acho que vale a pena analisar essas experiências.

Não seria uma boa maneira de conter gastos?
Não tenho a certeza. Já tive mais certeza do que hoje. Temos de distinguir entre o aspecto conceptual – acho que sim, que é uma solução boa – e a questão prática. Temos três experiências que não foram estudadas e acontece que uma delas quer deixar de o ser.

O ministério é favorável a esse regresso ao SNS?
Há um protocolo, um acordo, que temos de analisar.

Esse regresso implicaria um acréscimo de custos?
Em troca de uma redução do dinheiro hoje entregue a essas instituições. Mas é uma questão muito complexa porque, entretanto, o sistema de benefícios dessas instituições subiu. A razão pela qual eles nos querem devolver essa população é porque eles não querem baixar o sistema de benefícios. Têm de baixar, têm de gastar menos, se eu tivesse nessa posição tentaria que outro fosse o mau da fita. Mandei estudar o protocolo e as suas cláusulas de rescisão.

Cada doente custa cerca de 935 euros ao SNS?
É difícil fazer essas contas, mas esse número não andará muito afastado da realidade.
Maria Miranda, Revista Prémio 18.05.06